Todos os homens procuram a Felicidade. Então, o que há de errado nessa busca incessante? A felicidade existe? Se existe onde ela se encontra? Dentro ou fora de nós?
Muitos filósofos ao longo da história tentaram responder essas indagações, porém, continuamos ainda colocando as mesmas perguntas, sem respostas definitivas...
Não será justamente a
felicidade o que todos querem, sem exceção?, interrogava Santo Agostinho, no
século V. «Todos somos iguais no nosso desejo de sermos felizes e de
ultrapassarmos o sofrimento», considerou, nos nossos dias, o Dalai Lama,
expressando uma resposta praticamente unânime e consensual(...)
“Estamos
cheios de coisas que nos lançam para fora. O nosso instinto faz-nos sentir que
é preciso procurar a nossa felicidade fora de nós. As nossas paixões levam-nos para
fora, mesmo quando os objetos se não oferecessem para excitá-las. Os objetos de
fora tentam-nos por si próprios e chamam-nos, ainda quando não pensamos neles.
E assim, mesmo que os filósofos digam: «Recolhei-vos
em vós mesmos, aí encontrareis o vosso bem», não se acredita neles; e
aqueles que acreditam são os mais vazios e mais tolos”.
Blaise Pascal, in "Pensamentos"
Para
o filósofo Blaise Pascal, há uma indagação primeira para a qual o ser humano
sempre tentou encontrar uma resposta, qual seja: por que as pessoas parecem incapazes de buscar a felicidade? Nesse
sentido, há de se também indagar: por
que os homens procuram a pura agitação e o mero divertimento como forma de se
obter a máxima felicidade? E o
contrário disso procede? O homem em completo equilíbrio e em total estado
de repouso – longe de tumultos e de agitações – é quem estaria, de fato, apto a alcançar a tão sonhada felicidade? Como
se vê, existem várias abordagens para o mesmo tema. Portanto, para o referido
autor, muito se pensou a respeito desse assunto; muito se especulou acerca de
qual seria a causa de todas as nossas infelicidades.
Segundo
Pascal, todas as pessoas buscam a felicidade. Não há exceção para isso. Sejam
quais forem os meios diferentes que empreguem, todos objetivam esse alvo. A
razão de alguns irem à guerra, e de outros a evitarem, é o mesmo desejo em
ambos, visto de perspectivas diferentes. A vontade nunca dará o último passo em
outra direção. Esse é o motivo de cada ação de todo ser humano, mesmo dos que
se enforcam. O homem já teve a verdadeira felicidade, da qual agora resta nele
apenas o sinal e o espaço vazio, que ele tenta em vão preencher com as coisas
ao seu redor, procurando em coisas ausentes a ajuda que não obtém nas coisas
presentes. Essas porém, são todas incapazes, porque o abismo infinito pode ser
preenchido somente por um objeto infinito e imutável , ou seja, apenas pelo
próprio Deus."
Ainda
de acordo com Pascal, é de se registrar que a infelicidade humana provém de uma
só causa: o fato de o homem não suportar ter que pensar a sua infeliz condição,
de ter que se debruçar sobre a sua vida tediosa, opaca e sem brilho. Razão pela
qual os homens atribuem às coisas externas, “ou na lebre que se persegue”, os
reais objetivos com os quais se busca a felicidade. Mas essa felicidade é
passageira, uma vez que a posse e a conquista de uma determinada coisa (seja um
bem ou um objeto específico, bem como a realização de algum projeto no âmbito
pessoal ou profissional) não garantem a efetiva felicidade por parte do
indivíduo. Pelo contrário, renova-se o anseio de se conquistarem mais coisas e
de se projetarem novas possibilidades de satisfação.
Sendo
assim, conforme assinala o próprio Pascal, “o homem (...) estando cheio de mil
causas essenciais de tédio, a menor coisa, como um taco e uma bola que ele
empurra, basta para diverti-lo”. Desse modo, a aspiração do indivíduo é pela
caça e não pela presa, sendo a felicidade (momentânea) fruto da diversão; de
tudo aquilo que desvia a atenção do ser humano das questões que dizem respeito
à sua verdadeira natureza, encarada sob o ponto de vista da precariedade e do
total abandono.
Por
outro lado, muitos filósofos acreditam que a felicidade só pode ser alcançada
no mais completo estado de repouso, longe das agitações e das incertezas
cotidianas. Que a busca da felicidade pela via da cupidez e do puro
divertimento é algo considerado absurdo e não condiz com o sentido último do
ser humano, que é de conhecer a si mesmo. Assim, a felicidade estaria nessa
nossa procura pela introspecção e na forma que o ser humano tem de pensar e
encarar a sua própria inserção no mundo, guiando-se exclusivamente pela
prudência e pela vida virtuosa, condição esta considerada essencial para se
atingir a completa felicidade. No entanto, Pascal não acredita nesse argumento,
por achá-lo demasiadamente reducionista, tendo ele observado que “(...) mesmo
quando nos consideramos bastante seguros por todos os lados, o tédio, com sua
autoridade privada, não deixaria de sair do fundo do coração, onde tem raízes
naturais, e de nos encher o espírito de seu veneno”.
No
fundo, para o filósofo Pascal, as duas posições estão certas e erradas. Para
ele, somos movidos por dois instintos contrários e secretos: um que nos leva à
posse de determinadas coisas, como se isto nos garantisse a verdadeira
felicidade, apesar de buscarmos o puro divertimento; e o outro instinto que nos
faz procurar incessantemente por algo a mais, algo que nos conforte e que só
pode ser encontrado no mais absoluto repouso – a esse objeto tão procurado e
desejado pelo ser humano, a ele damos o nome de Deus, embora esse mesmo Deus
seja algo considerado pelo filósofo como inalcançável, pelo menos nesse plano
(terreno) de existência.
Nessa
perspectiva, somos por um lado miséria e sofreguidão, tendo que nos preocupar e
nos entreter com objetos externos como razão de ser de nossa suposta
felicidade, apelando ao divertimento como estratégia de fuga/desvio perante
essa vida frágil e precária. Por outro lado, só Deus é esse objeto que nos
acalanta e que pode, de fato, nos proporcionar a verdadeira felicidade.
Enfim,
no dizer desse filósofo, somos seres divididos e incompletos, marcados pela
dualidade e pela contradição, no que diz respeito à nossa incessante busca pela
felicidade, que ora se baseia em Deus (inacessível e inatingível), ora na mais
simples e pura diversão. Estranhas criaturas condenadas a viver o seu triste
destino, já que “acreditam buscar sinceramente o repouso, mas não buscam de
fato senão a agitação”.
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