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segunda-feira, 24 de março de 2014

EM BUSCA DA DA FELICIDADE

Todos os homens procuram a Felicidade. Então, o que há de errado nessa busca incessante? A felicidade existe? Se existe onde ela se encontra? Dentro ou fora de nós? 
Muitos filósofos ao longo da história tentaram responder essas indagações, porém, continuamos ainda colocando as mesmas perguntas, sem respostas definitivas...  

Não será justamente a felicidade o que todos querem, sem exceção?, interrogava Santo Agostinho, no século V. «Todos somos iguais no nosso desejo de sermos felizes e de ultrapassarmos o sofrimento», considerou, nos nossos dias, o Dalai Lama, expressando uma resposta praticamente unânime e consensual(...)  

“Estamos cheios de coisas que nos lançam para fora. O nosso instinto faz-nos sentir que é preciso procurar a nossa felicidade fora de nós. As nossas paixões levam-nos para fora, mesmo quando os objetos se não oferecessem para excitá-las. Os objetos de fora tentam-nos por si próprios e chamam-nos, ainda quando não pensamos neles. E assim, mesmo que os filósofos digam: «Recolhei-vos em vós mesmos, aí encontrareis o vosso bem», não se acredita neles; e aqueles que acreditam são os mais vazios e mais tolos”. 
                                                          Blaise Pascal, in "Pensamentos"



Para o filósofo Blaise Pascal, há uma indagação primeira para a qual o ser humano sempre tentou encontrar uma resposta, qual seja: por que as pessoas parecem incapazes de buscar a felicidade? Nesse sentido, há de se também indagar: por que os homens procuram a pura agitação e o mero divertimento como forma de se obter a máxima felicidade? E o contrário disso procede? O homem em completo equilíbrio e em total estado de repouso – longe de tumultos e de agitações – é quem estaria, de fato, apto a alcançar a tão sonhada felicidade? Como se vê, existem várias abordagens para o mesmo tema. Portanto, para o referido autor, muito se pensou a respeito desse assunto; muito se especulou acerca de qual seria a causa de todas as nossas infelicidades.

Segundo Pascal, todas as pessoas buscam a felicidade. Não há exceção para isso. Sejam quais forem os meios diferentes que empreguem, todos objetivam esse alvo. A razão de alguns irem à guerra, e de outros a evitarem, é o mesmo desejo em ambos, visto de perspectivas diferentes. A vontade nunca dará o último passo em outra direção. Esse é o motivo de cada ação de todo ser humano, mesmo dos que se enforcam. O homem já teve a verdadeira felicidade, da qual agora resta nele apenas o sinal e o espaço vazio, que ele tenta em vão preencher com as coisas ao seu redor, procurando em coisas ausentes a ajuda que não obtém nas coisas presentes. Essas porém, são todas incapazes, porque o abismo infinito pode ser preenchido somente por um objeto infinito e imutável , ou seja, apenas pelo próprio Deus."

Ainda de acordo com Pascal, é de se registrar que a infelicidade humana provém de uma só causa: o fato de o homem não suportar ter que pensar a sua infeliz condição, de ter que se debruçar sobre a sua vida tediosa, opaca e sem brilho. Razão pela qual os homens atribuem às coisas externas, “ou na lebre que se persegue”, os reais objetivos com os quais se busca a felicidade. Mas essa felicidade é passageira, uma vez que a posse e a conquista de uma determinada coisa (seja um bem ou um objeto específico, bem como a realização de algum projeto no âmbito pessoal ou profissional) não garantem a efetiva felicidade por parte do indivíduo. Pelo contrário, renova-se o anseio de se conquistarem mais coisas e de se projetarem novas possibilidades de satisfação.

Sendo assim, conforme assinala o próprio Pascal, “o homem (...) estando cheio de mil causas essenciais de tédio, a menor coisa, como um taco e uma bola que ele empurra, basta para diverti-lo”. Desse modo, a aspiração do indivíduo é pela caça e não pela presa, sendo a felicidade (momentânea) fruto da diversão; de tudo aquilo que desvia a atenção do ser humano das questões que dizem respeito à sua verdadeira natureza, encarada sob o ponto de vista da precariedade e do total abandono.

Por outro lado, muitos filósofos acreditam que a felicidade só pode ser alcançada no mais completo estado de repouso, longe das agitações e das incertezas cotidianas. Que a busca da felicidade pela via da cupidez e do puro divertimento é algo considerado absurdo e não condiz com o sentido último do ser humano, que é de conhecer a si mesmo. Assim, a felicidade estaria nessa nossa procura pela introspecção e na forma que o ser humano tem de pensar e encarar a sua própria inserção no mundo, guiando-se exclusivamente pela prudência e pela vida virtuosa, condição esta considerada essencial para se atingir a completa felicidade. No entanto, Pascal não acredita nesse argumento, por achá-lo demasiadamente reducionista, tendo ele observado que “(...) mesmo quando nos consideramos bastante seguros por todos os lados, o tédio, com sua autoridade privada, não deixaria de sair do fundo do coração, onde tem raízes naturais, e de nos encher o espírito de seu veneno”.

No fundo, para o filósofo Pascal, as duas posições estão certas e erradas. Para ele, somos movidos por dois instintos contrários e secretos: um que nos leva à posse de determinadas coisas, como se isto nos garantisse a verdadeira felicidade, apesar de buscarmos o puro divertimento; e o outro instinto que nos faz procurar incessantemente por algo a mais, algo que nos conforte e que só pode ser encontrado no mais absoluto repouso – a esse objeto tão procurado e desejado pelo ser humano, a ele damos o nome de Deus, embora esse mesmo Deus seja algo considerado pelo filósofo como inalcançável, pelo menos nesse plano (terreno) de existência.

Nessa perspectiva, somos por um lado miséria e sofreguidão, tendo que nos preocupar e nos entreter com objetos externos como razão de ser de nossa suposta felicidade, apelando ao divertimento como estratégia de fuga/desvio perante essa vida frágil e precária. Por outro lado, só Deus é esse objeto que nos acalanta e que pode, de fato, nos proporcionar a verdadeira felicidade.

Enfim, no dizer desse filósofo, somos seres divididos e incompletos, marcados pela dualidade e pela contradição, no que diz respeito à nossa incessante busca pela felicidade, que ora se baseia em Deus (inacessível e inatingível), ora na mais simples e pura diversão. Estranhas criaturas condenadas a viver o seu triste destino, já que “acreditam buscar sinceramente o repouso, mas não buscam de fato senão a agitação”.

BAUMAN, Zygmunt Zygmi - A Arte da Vida - Editora ZAHAR 

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