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domingo, 24 de dezembro de 2017

O problema do mal e a ocultação de Deus: uma análise sobre o pecado original como princípio do mal em Blaise Pascal





Resumo

Vários argumentos sobre a existência do mal foram apresentados em diversas épocas, podendo ser traduzidos em duas alternativas: uma visão centrada em Deus e outra no homem. No primeiro caso, pode-se apontar três possibilidades: Deus é bom, tudo o que existe é bom e o mal não existe; o mal existe e Deus está empenhado na batalha contra o mal; Deus não pode agir errado e, portanto, tudo o que Ele faz é bom. Enquanto que no segundo, afirma-se que, a bondade seria de menor valor, se fosse parte inalienável da natureza do homem. O objetivo deste artigo é apresentar a visão pascaliana sobre o mal, ou seja, o pecado original que determinou a entrada do mal no mundo, e, consequentemente a ocultação de Deus.

Palavras-chave: pecado original, mal, ocultação, Pascal, cegueira.

Para acessar o artigo em pdf, clique no link:

https://docs.google.com/viewer?a=v&pid=sites&srcid=ZGVmYXVsdGRvbWFpbnxyYmZyZmlsb3NvZmlhZGFyZWxpZ2lhb3xneDoyZjg2ZDkzMzViYTdiNTQz

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

O que pode ser mais existencialmente perturbador que o tédio?




Os Deuses estavam entediados, por isso, criaram o homem. Adão ficou entediado por estar só; por isso, Eva foi criada. Desde então o tédio penetrou no mundo e cresceu em proporção exata ao do crescimento da população.

Kierkegaard  


Por: Arlindo Nascimento Rocha[1]


De acordo com o autor da obra Filosofia do tédio, (publicada inicialmente em 1999), Lars Svendsen, professor do Departamento de Filosofia da Universidade de Bergen, na Noruega, o problema do tédio é uma das grandes questões, e sua análise deveria revelar algo importante sobre as condições em que vivemos atualmente. Por ter sentido na pele as mazelas do tédio por algum tempo, fez com que seu interesse aumentasse sua curiosidade, já que o tédio também é um problema filosófico. Então, partindo de uma experiência vivida, passou a investigar a visão de alguns pensadores que refletiram profundamente sobre o assunto, tendo posteriormente chegado a conclusão que, encontramos em grandes filósofos pensamentos brilhantes quanto ao tema. O tédio, segundo nosso autor é uma experiência existencial fundamental, pois, o homem é abandonado a si próprio, e dessa forma, aqueles que enfrentam o próprio tédio conhecem-se melhor a si mesmos do que os que fogem buscando diversões. Diante deste cenário parafraseamos Jon Hellesnes: o que pode ser mais existencialmente perturbador que o tédio?

Quase todos que falaram e falam sobre esse tema, consideram-no como um mal existencial. Schopenhauer o descreve como, anseio insípido sem nenhum objeto particular; para Kafka, era como se tudo o que ele possuísse lhe tivesse deixado; Moravia diz que o tédio é como uma doença das próprias coisas, que faz toda a vitalidade murchar e morrer; Garborg, o classifica como um frio mental; Dostoievski descreve o tédio como aflição indefinível; para Fernando Pessoa, o tédio é tão radical que não pode ser superado sequer pelo suicídio; Kierkegaard ousa afirmar que, os deuses estavam entediados, por isso, criou Adão, que ficou entediado por estar só, por isso, Eva foi criada. Desde então o tédio penetrou no mundo e cresceu em proporção exata ao do crescimento da população; e, para Nietzsche, até os deuses lutavam em vão contra o tédio. Ao contrário desses dois últimos autores, Svendsen acredita que o tédio, é um fenômeno recente, e que no paraíso o tédio não teria tido lugar, uma vez que, o espaço estava preenchido por Deus;

Através da passagem anterior, pudemos observar que várias mentes brilhantes, possivelmente atormentados pelo tédio, tentaram definir o que para eles seria uma explicação para o mesmo. Porém, para Svendsen, uma das mentes mais cintilantes que refletiu sobre o assunto, foi Blaise Pascal, filósofo do século XVII, que associa o tédio a problemática teológica. Ele é de opinião que o homem sem Deus está condenado à diversão, e, nesse aspeto a vida do homem torna-se uma fuga da vida, que, sem Deus, é fundamentalmente um nada. Por isso, toda a tentativa de escapar do tédio através das diversões, é sinónimo da fuga da realidade, assim, Pascal afirma que nada é mais insuportável para o homem quanto estar no estado de pleno repouso, sem paixões, sem ocupações, sem diversão, sem esforço.    

Segundo nosso autor, outro brilhante filósofo que aborda este tema é Kant. Ele trata do tédio no contexto da filosofia moral, e, segundo o mesmo, o tédio estava ligado ao desenvolvimento cultural. Para ele, no tédio, o homem é tomado por uma abominação ou náusea diante da sua própria existência, por isso, para ele um bom argumento para as diversões baratas é o momento mori - lembra-te que vais morrer!

Para Svendsen, as reflexões de Kant, sobre o tédio são uma clara antecipação da teoria de Thomas Mann, que faz uma descrição fenomenológica do tédio, e sugere que a cura é mudar frequentemente os hábitos, uma vez que segundo ele, novos hábitos são as únicas formas de animar nossa vida. Por outro lado, Svendsen alerta que a problemática descrita por Mann, já havia sido defendido antes por Kierkegaard, que exageradamente afirma que o tédio é a raiz de todo mal. Ele descreve o tédio como um panteísmo demoníaco e afirma que não conhece expressão mais forte, mais verdadeira, pois, somente o semelhante conhece o semelhante. Segundo Kierkegaard, a sensação de tédio é para o homem refinado, uma vez que pressupõe um elemento de autorreflexão ou de contemplação no tocante à nossa própria situação no mundo. Essa ideia é corroborada por Leopardi, que afirma que o tédio é reservado às almas nobres, e que, a multidão, pode na melhor das hipóteses, sofrer de simples ociosidade. Essa atitude elitista do tédio, encontraremos também em Nietzsche que abordarmos mais a frente. 

Já em Schopenhauer, segundo Svendsen o homem pode escolher em geral, entre sofrimento e tédio, uma vez que a vida oscila entre o sofrimento e o tédio, por isso, se o homem consegue interromper o tédio, o sofrimento retornará, portanto, o homem quando não sabe mais o que fazer sucumbe ao tédio. Assim quando as metas não são alcançadas, o resultado é o sofrimento; quando são, o resultado é o tédio, por isso, na falta de satisfação no mundo real, o homem cria um imaginário, dando origem assim, as várias religiões como tentativa de escapar do tédio.       

Para Nietzsche, segundo nosso autor afirma, o tédio é a desagradável calma da alma que precede aos atos criativos e afirma que ele é o próprio hábito do trabalho, que agora se faz sentir sob a forma de uma necessidade nova e adicional, ele será tanto mais forte quanto mais forte for o desejo de trabalhar. Para escapar do tédio o homem ou trabalha além da medida das suas necessidades, ou inventa o jogo. Mas ao enfastiar do jogo e não tem nenhuma necessidade de trabalhar, é atacado pelo anseio de um terceiro estado.

Para finalizar, essa pequena exposição sobre o tédio, usaremos a classificação proposta por Milan Kundera, que, segundo o mesmo o tédio pode ser classificado três tipologias: 1) o tédio passivo (quando alguém boceja); 2) o tédio ativo (quando alguém se dedica a um hobby); e, o tédio rebelde (quando um jovem quebra vitrines de uma loja), tipologias essas muito presentes em nossa sociedade atual. E, para responder nossa questão inicial: O que pode ser mais existencialmente perturbador que o tédio, não é tão complicado como parece! Acredito que, a resposta é simples e objetiva, NADA, ou seja, o tédio é um das piores males da humanidade.

Referência: 
SVENDSEN, Lars. Filosofia do tédio. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2006.  






[1] Mestre em Ciência da Religião na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – SP; Pós Graduado (lato senso) em Administração, Supervisão e Orientação Pedagógica e Educacional na Universidade Católica de Petrópolis – RJ; Licenciado em Filosofia para docência na Universidade Pública de Cabo Verde; Curso de Formação de Professores do Ensino Básico Integrado pelo Instituto Pedagógico do Mindelo – Cabo Verde. E-mail: arlindonascimentorocha@gmail.com.

segunda-feira, 12 de junho de 2017

BLAISE PASCAL:

Desejo e divertimento como fuga se si mesmo na antropologia pascaliana


Arlindo Nascimento Rocha[1]




Resumo

Este artigo tem como objetivo trazer à tona e refletir sobre os conceitos pascalianos de desejo e divertimento como categorias antropológicas, que nos ajuda a entender melhor a necessidade (desejo) e a busca permanente pela agitação (divertimento) como marcas do desvio da nossa condição insustentável. Pascal interpreta o divertimento como manobras para desviar o pensamento das nossas misérias existenciais, das nossas múltiplas insuficiências, da nossa incapacidade de nos manter em repouso, mas também podemos interpretá-lo como sendo uma condição essencial do homem que impede o acesso ao momento e à eternidade. Portanto, se há um conceito que Blaise Pascal reinventou de forma original, é o divertimento, visto como todos os estratagemas usados pelo homem visando à fuga de si mesmo. Esta condição de insatisfação dos nossos desejos e da eterna procura pelo divertimento é precisamente a contingência da nossa existência inautêntica e miserável.

Palavras-chave: desejo; divertimento; misérias existenciais; condição insustentável; insatisfação.



___________________________
[1] Artigo submetido em 02/02/2017. Aprovado em 07/03/2017. 1 Mestrando em Ciência da Religião, Pós-Graduado em Administração, Supervisão e Orientação Pedagógica, Licenciado em Filosofia. arlindonascimentorocha@gmail.com

[ISSN 2317-0476] Diversidade Religiosa, João Pessoa, v. 7, n. 1, p. 241-259, 2017

quinta-feira, 8 de junho de 2017

A condição humana no cristianismo pascaliano: o paradoxo entre grandeza e miséria

COLÓQUIO PASCAL USP – 07/06/2017


Nome: Arlindo Nascimento Rocha
Nível acadêmico: Mestre em Ciência da Religião pela PUC-SP
Dissertação: Paradoxos da Condição Humana: Grandeza e miséria como paradoxo fundamental na filosofia da Blaise Pascal. 
Orientador da dissertação: Luís Felpe Pondé


TÍTULO DA APRESENTAÇÃO

A condição humana no cristianismo pascaliano:

o paradoxo entre grandeza e miséria


OBS: Este artigo publicado na “Revista Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento”, em abril de 2017, no seguinte endereço eletrônico:

                                                         RESUMO

Blaise Pascal (1623-1662) pensador francês, considerado gênio da ciência, matemático, físico, filósofo, teólogo, pai da computação digital, da física experimental, do cálculo integral e diferencial, da geometria projetiva, gênio da literatura universal, defensor do cristianismo, polemista tentado pela reclusão, mas, muitas vezes obscurecido pela lenda.

Como pensador, seus escritos teológicos e filosóficos são contagiantes, uma vez que, desenvolveu uma influente leitura da condição humana em sua época. Nessa apresentação, analisarei os conceitos de grandeza e miséria como argumento antropológico em Pascal que, segundo Robert Velard: “Começa com uma observação simples: os seres humanos exibem qualidades de grandeza e miséria”.


A obra de Pascal é construída sobre o paradoxo do homem: Grandeza e miséria, razão-coração; finito-infinito, tempo-eternidade, carne-espírito. Pascal afirma que, “fonte de todas as heresias é não conhecer o acordo de duas verdades opostas”. Ao refletir sobre o paradoxo entre grandeza e miséria, no fragmento “Laf. 114; Bru. 397”, Pascal nos mostra uma dialética entre esses dois conceitos que caracterizam antropologicamente a natureza humana, através da seguinte passagem: “a grandeza do homem é grande por ele conhecer-se miserável [...] É então ser miserável conhecer (-se) miserável, mas é ser grande conhecer que se é miserável”.

Segundo Alain Couprie, “Pascal não descreve a miséria do homem por misantropia ou pelo ódio de seus conterrâneos”. Essa dialética que Pascal articula exprime a situação dramática do homem no limiar dos tempos modernos. [...] Todavia, é preciso ressaltar que a grandeza do homem em Pascal não se confunde com a riqueza, a glória ou o exercício de altos cargos. Para ele, essas são “grandezas de estabelecimento” resultantes de um acidente de nascimento ou de instituições políticas e sociais. Eles não constituem nenhum caso de grandeza real, uma vez que, a verdadeira grandeza se funda na dignidade do homem.

De acordo com Robert Velarde: 
O argumento antropológico de Pascal começa com uma observação simples: os seres humanos exibem qualidades ou traços de grandeza e miséria. Tal argumento é atraente em um ambiente contemporâneo, porque começa com uma observação da natureza humana, em vez de um argumento direto à existência de Deus, a confiabilidade na Bíblia, a validade da crença na ressurreição. 

Esse argumento apenas pretende iniciar a discussão sobre a natureza da condição humana. Segundo Bem Rogers: a dialética de Pascal alerta o interlocutor agnóstico para dois elementos da condição humana em geral, e para sua dificuldade em particular:
Procura mostrar que ninguém, baseando-se apenas em meios humanos, é capaz de entender a confusa mistura de baixas qualidades e alto potencial presente no homem (maços 2-7);
Apesar da evidente capacidade para a felicidade, o homem é naturalmente miserável e nada que os filósofos foram capazes de sugerir pode aliviar essa miséria (maços 8-10).
Pascal pinta um quadro absolutamente trágico da condição paradoxal do homem, questionando sua verdadeira essência nas seguintes palavras:

Que tipo de quimera é então o homem? Que novidade, que monstro, que caos, que fonte de contradições, que prodígio? Juiz de todas as coisas, verme imbecil, depositário da verdade, cloaca de incerteza e de erro, glória e rebotalho do universo.
É visível que o homem vive uma situação paradoxal marcada por traços de grandeza e miséria. No entanto, o homem recusa-se a ver a verdade da sua condição e vive disfarçando, forjando para si uma máscara que esconda a sua miséria. Miséria essa, que marca o homem com o selo da discórdia, interna e externa.
 No plano interno, ela reflete-se na luta entre a razão e as paixões;No plano externo entre o homem e a natureza.Ou seja; O sujeito pascaliano vive eternamente em conflito consigo mesmo.
O paradoxo entre grandeza e miséria, é a nosso ver, o cerne da antropologia pascaliana, uma vez que, assinala duas naturezas antagônicas, porém inseparáveis.  Ou seja, o homem é um misto de misérias e de grandezas, e, naturalmente, entre essas duas dimensões existe uma relação de alteridade.
De acordo com, Jean Mesnard, a noção de miséria pode ter alternativas como: mesquinhez e fraqueza, ideia essa, encontrada em Santo Agostinho. Mas, as duas noções que Pascal desenvolve juntas, a saber: Primeira: a grandeza, que Epiteto pretendia realizar unicamente pela força do homem, e; Segunda: a miséria, que Montaigne pretendia acomodar numa posição de orgulho e de preguiça, são na realidade dois momentos compreensíveis somente na perspectiva cristã [...] Segundo Humberto Rohden “entre os dois está o cristianismo, que não [super-humaniza] nem [infra-humaniza] o homem, [...] O homem era grande antes da queda, mas ele é miserável sem Deus. Sua salvação depende da graça de Deus”.
Para Pascal a grandeza do homem vem de sua origem divina, e sua esperança de salvação é sustentada pela redenção de Jesus Cristo, sem a qual o conhecimento de Deus seria inútil para o homem. Ainda segundo Pascal, “o homem não é nem anjo nem animal”, por isso:
É perigoso mostrar-lhe o quanto é igual aos animais sem lhe mostrar sua grandeza. É também perigoso mostrar-lhe sua grandeza sem a sua miséria. É mais perigoso ainda deixá-lo ignorar uma e outra coisa, mas é vantajosíssimo apresentar-lhe uma e outra.
 Por isso, Pascal nos mostra como fazer isso no fragmento “Laf. 130; Bru. 420” da seguinte forma “se ele se gaba, eu o rebaixo. Se ele se rebaixa, eu o gabo. E o contradigo sempre. Até que ele compreenda que é um mostro incompreensível”.

É importante assinalar que, segundo nos relata Kreeft, as duas heresias humanas fundamentais são o ‘animalismo’ e o ‘angelismo’. Ou seja, “o homem tem uma existência paradoxal: grandeza miserável, animal racional, espírito mortal, caniço pensante”.

Existem três paradoxos no fragmento, que devem ser distinguidos;
1º metafisicamente, o homem é sujeito e objeto. Um objeto pequeno e fraco, como um caniço. Mas ele é também sujeito: mente e espírito, pensamento e consciência, ou seja, uma folha de grama que filosofa;
2º psicologicamente o homem é grande e miserável, exaltado e rebaixado; e,
3º moralmente o homem é mau e bom, capaz do inferno ou do paraíso [...].

Nessas três vias, o homem é instável, sua natureza é dupla (corpo e espírito), sua consciência é dupla (exaltado e rebaixado) e a sua potencialidade é dupla (inferno ou paraíso).
O paradoxo entre grandeza e miséria nos leva a refletir sobre a verdadeira situação do homem e a formular algumas interrogações pertinentes:
De que forma podemos perceber a miséria e a grandeza no homem contemporâneo?
O conhecimento desse paradoxo muda efetivamente a forma de pensar do homem?
Certamente, a humanidade diante de tantas calamidades, sofrimentos, perdas e corrupção já está num estágio de entorpecimento, e, a única saída, é a fuga de si mesmo. Todo homem está à procura da felicidade, porém essa vem sendo buscada de maneira egoísta e envaidecida. Contudo, na via pascaliana, a grandeza deve associar-se à miséria humana pela reflexão, uma vez que, segundo André Soarès “a mediocridade, que mantém o mundo, é a mesma vaidade que salva os homens”.
Pascal acreditava que só a religião cristã é que explica justamente a natureza do homem. O homem é tanto mísero como grande. Muitas religiões reconhecem a grandeza do homem, mas não conseguem ver a sua miséria e vice versa.

Exemplos: 
 O movimento da Nova Era; o homem é Deus e o pecado é uma ilusão;
Os humanistas seculares consideraram o homem um animal; 
Os behavioristas vêm o homem como uma máquina.  
Portanto, só o cristianismo vê o homem pelo que ele realmente é; o homem é miserável e grande.
Na formulação do paradoxo, Pascal, teve como precursores dois filósofos: Epiteto e Montaigne, cada um representando uma corrente filosófica diferente, o Estoicismo e o Ceticismo, cada uma, apresentando uma análise unilateral do homem. Esses dois filósofos, influenciaram o pensamento de Pascal na elaboração do conceito de homem paradoxal, cindido entre miséria e grandeza. Segundo Peter Kreeft, ao filósofos não deveriam ser divididos em “otimistas” e “pessimistas” ou em filósofos da grandeza humana e filósofos da miséria humana, mas em “paradoxicalists” e “nonparadoxicalists”.
Paradoxicalists são filósofos como Pascal que tem uma visão aberta o suficiente para ver profundamente em ambas as direções ao mesmo tempo. (Paulo, Agostinho, Pascal, Kierkegaard e Dostoiévski são verdadeiros paradoxicalists);
Muitos filósofos ao contrário são unidimensionais, ou seja, nomparadoxicalists porque eles cobrem um dos olhos ao analisarem o homem. Eles são otimistas ou pessimistas, racionais ou empiristas, espiritualistas ou materialistas.
A influência de Epiteto e de Montaigne fica clara na conversa com o Senhor da Sacy, onde Pascal apresenta de forma sistemática ser conhecedor dessas duas posições, cujo objetivo era mostrar que nenhuma análise unilateral do homem é capaz de explicar sua verdadeira condição.
Em Pascal, como vimos o homem é um composto integrado de miséria e grandeza, portanto, nem Epiteto, nem Montaigne estavam certos ao defenderem suas teses, uma vez que, a verdadeira condição do homem, está na conjugação das duas posições.
Atualmente, não é difícil enxergar que o homem se revela ao mundo apresentando traços de grandeza, e traços de infinitas misérias, fruto da ruptura com o seu Criador. Mas, segundo Pascal, Cristo voltará um dia para trazer à história humana, com toda a sua grandeza e miséria, a uma conclusão definitiva. Então, sua causa como mediador será justificada e seus discípulos fiéis, serão recompensados.
Só resta ao homem viver na esperança, se ele souber que todas as coisas terminarão bem com a vinda de Cristo. Sua soberania será definitivamente estabelecida, e todas as pessoas serão submetidas ao seu reinado. Até esse dia chegar, devemos ser fiéis e esperar por Ele com esperança, pois, como vimos anteriormente, ele é o único caminho que leva ao Senhor, uma vez que o homem sozinho está condenado à perdição, já que ele é um indivíduo, mas é também a síntese da humanidade, e os pecados da humanidade são de certa maneira os pecados do homem. A aliança em Cristo redime os pecados, e, a história da salvação manifesta-se como uma grandiosa pedagogia divina que aponta para Cristo.
 
Referências bibliográficas  

KREEFT, Peter. Cristianity for modern pagans: Pascal´s Pensées. Edited, Outlined and explained. – San Francisco: Ignautos press, 1993. 341p.

MESNARD, Jean. Les Pensées de Pascal. Paris, Sedes, 1993.

PASCAL, Blaise, Pensamentos. – 2ª edição. Apresentação de notas Louis Lafuma; Tradução Mário Laranjeira, Revisão técnica Franklin Leopoldo e Silva, revisão da tradução Márcia Valéria Martinez de Aguiar; introdução da edição brasileira Franklin Leopoldo e Silva. São Paulo: Martins Fontes, 2005. 441p. – (Paidéia).

ROGERS, Ben. Pascal. Elogio do efêmero. – São Paulo: Editora UNESP, 2001. 65p.

ROHDEN, Humberto. Pascal: o homem que apelou da razão para o coração e de Roma para Deus. – 3ª edição. Alvorada Editora e Livraria Ltda., 1981. 82p.

VELARDE, Robert. Greatness and Wretchedness: The Usefulness of Pascal’s Anthropological Argument in ApologeticsChristian Research Journal, v. 27, p. 32-40.





quinta-feira, 11 de maio de 2017

COLÓQUIO PASCAL

O Colóquio Pascal será realizada na USP-SP nos dias 7 e 8 de Junho de 2017, e de acordo com os organizadores, o objetivo é "reunir pesquisadores que trabalham sobre os diversos aspectos da obra de Blaise Pascal. O evento propõe um convite ao diálogo com o tema \Pascal e a verdade” [...]  






Organização:

Ricardo Mantovani
João Cortese

Apoio: Departamento de Filosofia – FFLCH/USP


quarta-feira, 3 de maio de 2017

A Condicao Humana No Cristianismo Pascaliano: O Paradoxo Entre Grandeza e Miseria

Arlindo Nascimento Rocha[1]

Resumo: Este artigo tem como objetivo, analisar a concepção existencial do homem paradoxal em Blaise Pascal, presente na obra Pensamentos, através do tema A Condição Humano no cristianismo pascaliano: o paradoxo grandeza e miséria. O modo pela qual conduziremos nossa análise é a visão paradoxal do homem, por isso, nossa reflexão é, sobretudo, sobre a situação do homem no mundo, onde se encontra lançado em meio aos acontecimentos, submetido à sua sorte, ao acaso, à diversidade e aos quereres dos outros. Os bens materiais o determinam mediante as necessidades que ele tem deles e a sociedade o condiciona de mil maneiras. O homem está sujeito a solicitações diversas e dispersivas, que se torna necessário conhecer a si mesmo, ou seja, sua grandeza e suas infinitas misérias. A apologética pascaliana tem como ponto de partida a descrição da miséria humana como condição para reconhecer sua grandeza, “a grandeza do homem é grande por ele conhecer-se miserável [...] É então ser miserável conhecer (-se) miserável, mas é ser grande conhecer que se é miserável”. Esse também será nosso ponto de partida e de chegada na análise antropológica do homem em Pascal.

Palavra-chave: homem paradoxal; grandeza e miséria; visão paradoxal; apologética pascaliana;

ROCHA, A. N. A Condição Humana No Cristianismo Pascaliano: O Paradoxo Entre Grandeza e Miséria. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 2, Vol.01. pp 331-351, Abril de 2017.ISSN:2448-0959

Disponível em: 




[1] Mestre em Ciência da Religião na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – SP; Pós Graduado (lato senso) em Administração, Supervisão e Orientação Pedagógica e Educacional na Universidade Católica de Petrópolis – RJ; Licenciado em Filosofia para docência na Universidade Pública de Cabo Verde; Curso de Formação de Professores do Ensino Básico Integrado pelo Instituto Pedagógico do Mindelo – Cabo Verde. E-mail: arlindonascimentorocha@gmail.com.

sábado, 25 de março de 2017

DEUS ESCONDIDO

Aprendam ao menos qual é a fé que rejeitam, antes de rejeitá-la. Se esta religião se vangloriasse de ter uma clara visão de Deus e de possuí-la abertamente e sem véus, seria efetivamente um modo de combatê-la o dizer que não se vê nada no mundo que no-la mostre com tal evidência. Mas o cristianismo diz, ao contrário, que os homens estão nas trevas e no forçado afastamento de Deus, que ele se escondeu do conhecimento deles, que é precisamente este o nome que ele a si mesmo se dá nas Escrituras; Deus escondido, Deus absconditus...



Blaise Pascal

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Blaise Pascal: ética e política



Na discussão que Pascal descreveu nas Cartas Provinciais como "perniciosamente negligente" a moral dos jesuítas, ele classifica muitas ações humanas - como o homicídio, nos casos em que não é justificável como autodefesa - como imoral. Ele caracteriza essas ações imorais de diversas maneiras como contrárias à "luz natural", ao "senso comum" ou à "lei natural". Como Ferreyrolles (1984) mostra, existem inúmeras referências em Pascal sobre uma "lei da natureza". Entretanto, Pascal não discute se essa lei natural pode ser descoberta pela razão, ou que adquire sua força obrigatória da convenção ou dos contratos humanos. 

A interpretação jansenista da condição humana implicava que a natureza humana é corrupta e, portanto, que a razão é uma guia moral não confiável. "Há indubitavelmente leis naturais, mas a nossa corrompida razão corrompeu tudo" (Fragmento 56: II, 560). De acordo com este ponto de vista, Deus forneceu orientação moral confiável aos seres humanos no estado de pré-lapso (antes da queda), e alguns resquícios da lei de Deus continuam a ser refletidos na natureza caída. A lei natural, portanto, é o que resta da lei de Deus no estado de concupiscência da natureza humana após a queda. Não há, portanto, em Pascal um relato filosófico independente da moralidade, a não ser pela lei de Deus mais ou menos revelada.

De acordo com a lei de Deus, ou aqueles elementos que sobrevivem nas opiniões amplamente aceitas pelos homens em todo mundo, existem certas ações que são intrinsecamente maus ou bons. Nossos deveres morais incluem não apenas os exemplos mais familiares, como a obrigação de abster-se de homicídio voluntário; Pascal também cita com aprovação que "somos obrigados pela justiça a dar esmolas do nosso excedente, a aliviar até mesmo as necessidades comuns dos pobres [...] aqueles que são ricos são meros mordomos do seu excedente, a fim de dar a quem quer que eles escolherem entre aqueles que estão em necessidade "( Cartas : I, 714).

Tendo assumido que existem obrigações morais objetivas, Pascal dirige sua crítica, tanto nas Cartas Provinciais como em suas contribuições aos Écrits des Curés de Paris[1] (Escritos dos padres de Paris), à alegação, atribuída aos jesuítas, de que se pode mudar o caráter moral e a intenção das ações realizadas por um “mudando” no momento em que é praticado. Por isso, se um agente age de forma imoral, enquanto formalmente pretende agir de forma imoral, nada pode justificar a ação em questão. Em todos os outros casos, porém, Pascal descreveu a casuística dos jesuítas como ensinando que é possível modificar o caráter moral de uma ação aplicando o método de "dirigir a intenção, que consiste em selecionar algo que é permitido como objetivo de nossas ações" (Cartas: I,649). Esta fuga da responsabilidade moral baseia-se no princípio de que "é a intenção que determina a qualidade [moral] de uma ação" ( Cartas : I, 679).

A alegação de que alguém poderia dirigir a intenção de alguém para longe daquilo que de outra forma é uma ação moralmente repreensível era consistente com a defesa dos casuístas da doutrina do "probabilismo". Esta doutrina, a que também se opôs Pascal, significava que se podia decidir questões morais de acordo com qualquer opinião que se diz ser "provável", mesmo que seja muito menos provável do que opiniões alternativas. 'Provável' nesse contexto teve pouco a ver com cálculos de probabilidade, mas foi definido como "tudo o que é aprovado por autores bem conhecidos" ( Cartas : I, 732). Os limites do que era moralmente aceitável foram assim fornecidos examinando os escritos de autores aprovados e encontrando as opiniões morais menos exigentes disponíveis na literatura. A crítica satírica de Pascal à casuística jesuítica pressupõe, ao contrário, que as ações humanas têm um caráter moral que é independente dos pensamentos ou intenções particulares do agente que os executa, e que não se pode melhorá-las com resultados "intencionais" que diferem do real efeito ou consequências que se seguem naturalmente de uma determinada ação. Nesse sentido, a crítica de Pascal é uma versão inicial de uma objeção moderna ao chamado "Princípio do duplo efeito".

A teoria política de Pascal também foi ditada pelo seu relato da concupiscência humana. De acordo com o Fragmento 90 das Pensées, "a concupiscência e a força são as fontes de todas as nossas ações. A concupiscência provoca ações voluntárias, e a força provoca aquelas que são involuntárias" (II, 570). Embora o estado de natureza antes da queda de Adão fosse capaz de orientar o comportamento humano, as relações humanas estão agora completamente comprometidas pela concupiscência e pelo exercício do poder por uma pessoa sobre outra. Um efeito inevitável desta subserviência indesejável é que somos coagidos a obedecer àqueles que exercem poder político sobre nós, e isso pode ser interpretado como punição para nossa condição pecaminosa. Esta interpretação pessimista do poder político e seu possível abuso coincidiu com a de Lutero e Calvino. Les Trois discours sur la condition des grands[2] (Os três discursos sobre a condição dos grandes) distinguem entre dons naturais ou habilidades, que variam de um indivíduo para outro e podem servir de base para nossa estima e variações de status social ou poder político, que resultam da contingência humana e requerem apenas que nós obedeçamos aqueles que são nossos superiores (II, 194-9). A igualdade natural dos seres humanos que está implícita nesta análise, no entanto, não fornece qualquer base para qualquer teoria da justiça que justifique a oposição a uma sociedade civil estabelecida ou governo, por mais tirânico que seja (Bove et al.,2007: Pp. 295 ss). Na verdade, não há uma perspectiva independente disponível para corromper seres humanos a partir do qual se pode questionar se as leis de um país são justas; elas são justas, por definição, simplesmente porque eles são as leis. "A justiça é o que está estabelecido; assim todas as nossas leis estabelecidas serão necessariamente aceitas como justas sem ser examinadas, porque elas são estabelecidas"(Fragmento 545: II, 776). Uma expressão mais extrema da mesma visão, nas Pensées , é que "a justiça, como a elegância, é ditada pela moda" (Fragmento 57; II, 562).

Esse conservadorismo político, parcialmente motivado pela experiência de guerras de Pascal e, em parte, pela sua teoria da natureza humana corrupta, reflete-se em sua afirmação de que "o pior mal de todos é a guerra civil" (Fragmento 87: II, 569). Nas Cartas Provinciais, dirige os leitores o ensinamento moral dos Evangelhos para guiá-los na ação política. "A Igreja[...] sempre ensinou seus filhos a não fazer mal pelo mal[...] obedecer aos magistrados e superiores, mesmo aos injustos, porque devemos sempre respeitar neles o poder de Deus que os colocou sobre nós" (I, 744 ). Essa tolerância compulsória ao status quo, por causa do bem comum, não impede avaliações comparativas do mérito ou de outra natureza de sistemas políticos diferentes. No entanto, mesmo em tais avaliações, o critério aplicado por Pascal permaneceu estreita e teologicamente focado na medida em que os arranjos políticos facilitaram os cidadãos no desempenho de seus deveres primordiais para com Deus.

A atitude apropriada dos sujeitos ou dos cidadãos às autoridades políticas estabelecidas que os governam foi exemplificada, pela demanda dos poderes civis em Paris de que mesmo os jansenistas tinham de assinar e obedecer o formulário que condenava as cinco proposições supostamente encontradas na obra de Jansen. Os dissidentes como Pascal não eram obrigados a concordar, em consciência, com o que não acreditavam; mas eram obrigados a assentir em seu comportamento, e a obedecer a seus superiores políticos e eclesiásticos. Da mesma forma, os sujeitos da política de Pascal não eram obrigados a estimar seus senhores políticos, nem a manter crenças sobre eles como seres humanos que eles não acreditavam serem verdadeiros. Bastava que os obedecessem, observassem as leis em seu comportamento e lhes oferecessem a reverência pública adequada a seu status de representantes de Deus, dignos ou não, na terra.

Fonte:
PASCAL, Blaise. Stanford Encyclopedia of Philosophy. Disponível em: <https://plato.stanford.edu/entries/pascal/#EthPol>. Acesso em 20/01/2017





[1] Os escritos dos Padres de Paris são um conjunto de nove panfletos publicados entre janeiro 1658 e junho 1659, a fim de condenar o pedido de desculpas pelos casuístas, e mais geralmente às críticas da Companhia de Jesus; escrito em nome dos párocos de Paris. Eles foram escritos por um grupo de autores próximos ao jansenismo: Pierre Nicole, Antoine Arnauld e Blaise Pascal.
[2] Três discursos sobre a condição do grandes, é um conjunto de discursos educacionais por Blaise Pascal ao futuro duque de Chevreuse Charles-Honoré d'Albert , escritos provavelmente por volta de 1660 . Eles são reconstruídos e transcrita por Pierre Nicole em seu livro A partir da educação de um príncipe, publicado em 1670.