Pesquisar neste blogue

Translate/Traduzir

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

O que pode ser mais existencialmente perturbador que o tédio?




Os Deuses estavam entediados, por isso, criaram o homem. Adão ficou entediado por estar só; por isso, Eva foi criada. Desde então o tédio penetrou no mundo e cresceu em proporção exata ao do crescimento da população.

Kierkegaard  


Por: Arlindo Nascimento Rocha[1]


De acordo com o autor da obra Filosofia do tédio, (publicada inicialmente em 1999), Lars Svendsen, professor do Departamento de Filosofia da Universidade de Bergen, na Noruega, o problema do tédio é uma das grandes questões, e sua análise deveria revelar algo importante sobre as condições em que vivemos atualmente. Por ter sentido na pele as mazelas do tédio por algum tempo, fez com que seu interesse aumentasse sua curiosidade, já que o tédio também é um problema filosófico. Então, partindo de uma experiência vivida, passou a investigar a visão de alguns pensadores que refletiram profundamente sobre o assunto, tendo posteriormente chegado a conclusão que, encontramos em grandes filósofos pensamentos brilhantes quanto ao tema. O tédio, segundo nosso autor é uma experiência existencial fundamental, pois, o homem é abandonado a si próprio, e dessa forma, aqueles que enfrentam o próprio tédio conhecem-se melhor a si mesmos do que os que fogem buscando diversões. Diante deste cenário parafraseamos Jon Hellesnes: o que pode ser mais existencialmente perturbador que o tédio?

Quase todos que falaram e falam sobre esse tema, consideram-no como um mal existencial. Schopenhauer o descreve como, anseio insípido sem nenhum objeto particular; para Kafka, era como se tudo o que ele possuísse lhe tivesse deixado; Moravia diz que o tédio é como uma doença das próprias coisas, que faz toda a vitalidade murchar e morrer; Garborg, o classifica como um frio mental; Dostoievski descreve o tédio como aflição indefinível; para Fernando Pessoa, o tédio é tão radical que não pode ser superado sequer pelo suicídio; Kierkegaard ousa afirmar que, os deuses estavam entediados, por isso, criou Adão, que ficou entediado por estar só, por isso, Eva foi criada. Desde então o tédio penetrou no mundo e cresceu em proporção exata ao do crescimento da população; e, para Nietzsche, até os deuses lutavam em vão contra o tédio. Ao contrário desses dois últimos autores, Svendsen acredita que o tédio, é um fenômeno recente, e que no paraíso o tédio não teria tido lugar, uma vez que, o espaço estava preenchido por Deus;

Através da passagem anterior, pudemos observar que várias mentes brilhantes, possivelmente atormentados pelo tédio, tentaram definir o que para eles seria uma explicação para o mesmo. Porém, para Svendsen, uma das mentes mais cintilantes que refletiu sobre o assunto, foi Blaise Pascal, filósofo do século XVII, que associa o tédio a problemática teológica. Ele é de opinião que o homem sem Deus está condenado à diversão, e, nesse aspeto a vida do homem torna-se uma fuga da vida, que, sem Deus, é fundamentalmente um nada. Por isso, toda a tentativa de escapar do tédio através das diversões, é sinónimo da fuga da realidade, assim, Pascal afirma que nada é mais insuportável para o homem quanto estar no estado de pleno repouso, sem paixões, sem ocupações, sem diversão, sem esforço.    

Segundo nosso autor, outro brilhante filósofo que aborda este tema é Kant. Ele trata do tédio no contexto da filosofia moral, e, segundo o mesmo, o tédio estava ligado ao desenvolvimento cultural. Para ele, no tédio, o homem é tomado por uma abominação ou náusea diante da sua própria existência, por isso, para ele um bom argumento para as diversões baratas é o momento mori - lembra-te que vais morrer!

Para Svendsen, as reflexões de Kant, sobre o tédio são uma clara antecipação da teoria de Thomas Mann, que faz uma descrição fenomenológica do tédio, e sugere que a cura é mudar frequentemente os hábitos, uma vez que segundo ele, novos hábitos são as únicas formas de animar nossa vida. Por outro lado, Svendsen alerta que a problemática descrita por Mann, já havia sido defendido antes por Kierkegaard, que exageradamente afirma que o tédio é a raiz de todo mal. Ele descreve o tédio como um panteísmo demoníaco e afirma que não conhece expressão mais forte, mais verdadeira, pois, somente o semelhante conhece o semelhante. Segundo Kierkegaard, a sensação de tédio é para o homem refinado, uma vez que pressupõe um elemento de autorreflexão ou de contemplação no tocante à nossa própria situação no mundo. Essa ideia é corroborada por Leopardi, que afirma que o tédio é reservado às almas nobres, e que, a multidão, pode na melhor das hipóteses, sofrer de simples ociosidade. Essa atitude elitista do tédio, encontraremos também em Nietzsche que abordarmos mais a frente. 

Já em Schopenhauer, segundo Svendsen o homem pode escolher em geral, entre sofrimento e tédio, uma vez que a vida oscila entre o sofrimento e o tédio, por isso, se o homem consegue interromper o tédio, o sofrimento retornará, portanto, o homem quando não sabe mais o que fazer sucumbe ao tédio. Assim quando as metas não são alcançadas, o resultado é o sofrimento; quando são, o resultado é o tédio, por isso, na falta de satisfação no mundo real, o homem cria um imaginário, dando origem assim, as várias religiões como tentativa de escapar do tédio.       

Para Nietzsche, segundo nosso autor afirma, o tédio é a desagradável calma da alma que precede aos atos criativos e afirma que ele é o próprio hábito do trabalho, que agora se faz sentir sob a forma de uma necessidade nova e adicional, ele será tanto mais forte quanto mais forte for o desejo de trabalhar. Para escapar do tédio o homem ou trabalha além da medida das suas necessidades, ou inventa o jogo. Mas ao enfastiar do jogo e não tem nenhuma necessidade de trabalhar, é atacado pelo anseio de um terceiro estado.

Para finalizar, essa pequena exposição sobre o tédio, usaremos a classificação proposta por Milan Kundera, que, segundo o mesmo o tédio pode ser classificado três tipologias: 1) o tédio passivo (quando alguém boceja); 2) o tédio ativo (quando alguém se dedica a um hobby); e, o tédio rebelde (quando um jovem quebra vitrines de uma loja), tipologias essas muito presentes em nossa sociedade atual. E, para responder nossa questão inicial: O que pode ser mais existencialmente perturbador que o tédio, não é tão complicado como parece! Acredito que, a resposta é simples e objetiva, NADA, ou seja, o tédio é um das piores males da humanidade.

Referência: 
SVENDSEN, Lars. Filosofia do tédio. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2006.  






[1] Mestre em Ciência da Religião na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – SP; Pós Graduado (lato senso) em Administração, Supervisão e Orientação Pedagógica e Educacional na Universidade Católica de Petrópolis – RJ; Licenciado em Filosofia para docência na Universidade Pública de Cabo Verde; Curso de Formação de Professores do Ensino Básico Integrado pelo Instituto Pedagógico do Mindelo – Cabo Verde. E-mail: arlindonascimentorocha@gmail.com.

Sem comentários: