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quinta-feira, 28 de abril de 2016

Epiteto, Montaigne e Pascal

Epiteto, Montaigne e Pascal


Epiteto (55-135 d. C) filósofo estoico; Montaigne (1533 – 1592), filósofo, político, e escritor cético francês. Dois pensadores cronologicamente distantes que influenciaram Blaise Pascal, na formulação do seu argumento antropológico.

Epiteto: observando os traços da primeira grandeza do homem e ignorando-lhe a corrupção, tratou a natureza humana como sã e sem necessidade de reparação, o que leva a soberba [...]

Montaigne: observando a miséria presente e ignorando a primeira grandeza do homem, trata a natureza humana como enferma e irreparável, o que o precipita na desesperança, de chegar ao verdadeiro bem [...]

Conclusão: Essas duas visões são incapazes de explicar a verdadeira condição humana, exatamente por analisarem o homem sob um único ponto de vista. Conhecidos separadamente conduzem a dois vícios, o orgulho ou a preguiça [...]
O argumento antropológico de Pascal começa com uma observação simples: os seres humanos exibem qualidades de grandeza e miséria:
Frag. 114 (397) “A grandeza do homem é grande por ele reconhecer-se miserável: uma árvore não se conhece miserável. É então ser miserável conhecer (-se) miserável, mas é ser grande conhecer que se é miserável”;
Frag. 122 (416) “Concluindo-se a grandeza da miséria e a grandeza da miséria, alguns concluíram tanto mais a miséria quanto mais tomaram como prova sua grandeza, e outros concluíram a grandeza com tanto mais força quanto mais a concluíram da miséria mesma” [...]
Frag. 117 (409) “A grandeza d homem é tão visível que ela se extrai até mesmo de sua miséria, pois, aquilo que é natureza nos animais, chamamos miséria no homem” [...]

Frag. 121 (418) “É perigoso mostrar ao homem quanto ele é igual aos animais sem lhe mostrar a sua grandeza. É também perigoso mostrar-lhe demais a sua grandeza sem a sua baixeza. É mais perigoso ainda deixá-lo ignorar uma e outra coisa, mas é vantajoso representar-lhe uma e outra”. 
[...] 

Referências: 
PASCAL Blaise. Pensamentos. Edição, apresentação de notas Louis Lafuma; Tradução Mário Laranjeira, Revisão técnica Franklin Leopoldo e Silva, revisão da tradução Márcia valéria Martinez de Aguiar; introdução da edição brasileira Franklin Leopoldo e Silva. – 2ª Ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2005. – (Paidéia).
PASCAL, Blaise. Do Espírito geométrico e da arte de persuadir. Seleção, tradução e notas: Henrique Barrilaro Ruas. Estudo de : Eduardo Abranches de Soveral. Porto Editora – Porto – Portugal, 2003. 

quarta-feira, 27 de abril de 2016

PASCAL E NIETZSCHE

Pascal ( 1623-1662) e Nietzsche (1844-1900)


Blaise Pascal - gênio da ciência, matemático, físico, filósofo, pai da computação digital, da probabilidade, da física experimental, da hidráulica, do cálculo integral e diferencial, da geometria projetiva, gênio da literatura universal".

Friedrich Nietzsche - um filósofo e escritor alemão de grande influência no Ocidente. Sua obra mais conhecida é “Assim Falava Zaratustra”. O pensador estendeu sua influência para além da filosofia, penetrando na literatura, poesia e todos os âmbitos das belas artes.
Obras para download 

"Pascal e Nietzsche compartilham uma insatisfação essencial com relação à condição humana atual [...] o cristianismo trágico de Pascal e a filosofia trágica e anticristã de Nietzsche mantêm algo mais do que uma mera relação de exclusão recíproca [...] ao longo de sua obra Nietzsche enumera as suas afinidades com Pascal: A partir de sua primeira obra que critica explicitamente a moral cristã (Aurora, 1881) Pascal aparece para Nietzsche como um caso, um exemplo mórbido de como um intelecto brilhante se deixou seduzir pela visão cristã do mundo. Tal lamento nietzschiano encontra a sua expressão mais clara na passagem de Além do Bem e do Mal (1886), em que descreve a “fé de Pascal” como um “contínuo suicídio da razão” e um “sacrifício do intelecto”. Paradoxalmente, em Ecce Homo (1888), Nietzsche reúne na mesma afirmação admiração e crítica, ou afeto e censura, ao declarar “amar” Pascal como “a mais instrutiva vítima do cristianismo, lentamente assassinado”.

http://gen.fflch.usp.br/…/…/files/upload/cn_08_02%20Brum.pdf

quarta-feira, 13 de abril de 2016

ARGUMENTO ANTROPOLÓGICO DE PASCAL


o argumento antropológico de Pascal começa com uma observação simples: os seres humanos exibem qualidades de grandeza e miséria. Tal argumento é atraente em um ambiente contemporâneo, pois começa com uma observação da natureza humana, em vez de um argumento direto para a existência de Deus, a confiabilidade da Bíblia, a validade da crença na ressurreição de Cristo, ou uma variedade de outras abordagens apologéticas. O argumento antropológico apenas pretende iniciar a discussão sobre a natureza da condição humana. Quando certos princípios foram posteriormente estabelecidas, ele oferece um argumento apontando para o Cristianismo como a melhor explicação para a condição observada. DG Preston comenta. Abordagem apologética geral de Pascal:

Pascal o empirista começa com os dados, nomeadamente o fenômeno inexplicável da humanidade:

Inquestionavelmente corrupto, sujeito a inconstância, ao tédio, ansiedade e egoísmo, fazendo qualquer coisa nas horas de vigília para desviar a mente de miséria humana, mas mostrando os vestígios da inerente grandeza em realização da mente dessa condição. A natureza humana também é finita, suspensa entre duplo infinito, revelado por telescópios e microscópios, e consciente de um vazio interior que o mundo finito não consegue satisfazer. Nenhuma filosofia faz sentido a isso. Nenhum sistema de moral nos faz melhor ou mais feliz. Uma hipótese sozinho, criação à imagem divina seguido pela queda, explica a nossa situação e, por meio de um redentor e mediador com Deus, oferece para restaurar nosso estado de direito.[1]

Argumento antropológico de Pascal usa uma abordagem única para a apologética cristã: em vez de oferecer argumentos da teologia natural,[2] ele é projetado para se relacionar com os incrédulos em um nível prudencial de interesse. Esse argumento, de fato, oferece uma observação sensata e apelo ao julgamento prático com base no evidências disponíveis.

É a abordagem de Pascal relevante hoje? Afinal de contas, seu argumento  parentemente repousa sobre doutrinas tais como seres humanos criados à imagem de Deus (imago Dei) e do pecado original (a queda) - Vistas muitos percebem como fora de moda, mítico, ou simplesmente falsa [...] 



VELARDE, Robert. Greatness and Wretchedness: The Usefulness of Pascal’s Anthropological Argument in Apologetics. Christian Research Journal, v. 27, p. 32-40.                                                                              




[1] DG Preston, New Dictionary of Theology, ed. Sinclair B. Ferguson, David F. Wright e JI Packer (Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 1988), sv "Pascal, Blaise."
[2] A teologia natural refere-se a obtenção de conhecimento de Deus através da natureza. Pascal acreditava que os argumentos para provar a existência de Deus, baseados em fatos  naturais não têm a força eo alcance necessários para levar um cético a crença em Cristo. 
                                    

terça-feira, 5 de abril de 2016

O QUE É MAIS VANTAJOSO?

ACREDITAR OU NÃO ACREDITAR NA RELIGIÃO CRISTÃ[1]


Em “Os Pensamentos”, Blaise Pascal fez sua defesa da religião cristã, destinada a tocar os libertinos (pessoas que negam toda religião revelada, a qual se deve demonstrar) e os céticos (que colocam tudo em dúvida). Segundo Pascal, o homem é um ser miserável, um “nada do ponto de vista do infinito universo, um tudo do ponto de vista do nada, isto é, um meio-termo entre o nada e o tudo”. Ele é incapaz de atingir a verdade, pois a razão humana é constantemente enganada pela imaginação ou outras “potências enganadoras”. Sua única esperança é Deus: ele tem tudo a ganhar apostando na existência Dele. É o famoso argumento da aposta.[2]

Nossa alma está lançada no corpo, no qual acha número, tempo, dimensões. Raciocina sobre isso e lhe dá o nome de natureza, necessidade, sem poder acreditar em outra coisa. A unidade agregada ao infinito em nada o aumenta, do mesmo modo que um pé a uma medida infinita. O finito se aniquila em presença do infinito e se torna um simples zero. Assim o nosso espírito diante de Deus; assim a nossa justiça diante da justiça divina.

Não há tão grande desproporção entre a nossa justiça e a de Deus como entre a unidade e o infinito.[3] É preciso que a justiça de Deus seja enorme como a sua misericórdia: ora, a justiça para com os réprobos é menos enorme e deve aliviar menos do que a misericórdia para com os eleitos.

Sabemos que há um infinito e ignoramos a sua natureza, assim como sabemos que é falso que os números sejam finitos; é, pois, verdade que há um infinito em número, mas não sabemos o que ele é. É falso que seja par, é falso que seja ímpar; porque, acrescentando-lhe a unidade, ele não muda de natureza: no entanto, é um número, e todo número é par ou é ímpar; isso é verdadeiro para todos os números finitos.

Pode-se, pois, saber que existe um Deus sem saber o que ele é.Conhecemos, pois, a existência e a natureza do finito, porque somos finitos e extensos como ele. Conhecemos a existência do infinito e ignoramos sua natureza, porque ele tem extensão como nós, mas não tem limites como nós. Não conhecemos, porém, nem a existência nem a natureza de Deus, porque ele não tem extensão nem limites. Mas, pela fé, conhecemos sua existência; pela glória, conheceremos sua natureza. Ora, já mostrei que não se pode conhecer bem a existência de uma coisa sem conhecer a sua natureza.

Falemos, agora, segundo as luzes naturais.

Se há um Deus, ele é infinitamente incompreensível, uma vez que, não tendo nem partes nem limites, nenhuma relação possui conosco: somos, pois, incapazes de conhecer não só o que ele é, como também se ele é. Assim sendo, quem ousará empreender resolver essa questão? Não somos nós, que nenhuma relação temos com ele.

Quem, pois, censurará os cristãos por não poderem dar satisfação de sua crença, eles que professam uma religião de que não podem dar satisfação? Expondo-a ao mundo, eles declaram que isso é uma tolice, stultitiam. No entanto, vós vos lastimais porque eles não a provam! Se a provassem, faltariam à sua palavra; é por não terem provas que não lhes falta o senso. Sim; mas, embora isso escuse os que assim a oferecem e os livre da censura de produzi-la sem razão, não escusa os que a recebem.

Examinemos, pois, esse ponto, e digamos: Deus é, ou não é. Mas, para que lado penderemos? A razão nada pode determinar ai. Há um caos infinito que nos separa. Na extremidade dessa distância infinita, joga-se cara ou coroa. Que apostareis? Pela razão, não podeis fazer nem uma nem outra coisa; pela razão, não podeis defender nem uma nem outra coisa.Não acuseis, pois, de falsidade os que fizeram uma escolha, pois nada sabeis disso. "Não: mas, eu os acusarei de terem feito, não essa escolha, mas uma escolha; porque, embora o que prefere coroa e o outro estejam igualmente em falta, ambos estão em falta: o justo é não apostar".

Sim, mas é preciso apostar: isso não é voluntário; sois obrigados a isso; (e apostar que Deus é, é apostar que ele não é). Que tomareis, pois? Vejamos, já que é preciso escolher, vejamos o que menos vos interessa: tendes duas coisas que perder, o verdadeiro e o bem, e duas coisas que empenhar, vossa razão e vossa vontade, vosso conhecimento e vossa beatitude; e vossa natureza tem duas coisas que evitar, o erro e a miséria. Vossa razão não é mais atingida, desde que é preciso necessariamente escolher, escolhendo um dentre os dois. Eis um ponto liquidado; mas, vossa beatitude?

Pesemos o ganho e a perda, preferindo coroa, que é Deus. Estimemos as duas hipóteses: se ganhardes, ganhareis tudo; se perderdes, nada perdereis. Apostai, pois, que ele é, sem hesitar. Isso é admirável: sim, é preciso apostar, mas, talvez eu aposte demais.Vejamos. Uma vez que é tal a incerteza do ganho e da perda, se só tivésseis que apostar duas vidas por uma, ainda poderíeis apostar. Mas, se devessem ser ganhas três, seria preciso jogar (desde que tendes necessidade de jogar) e seríeis imprudente quando, forçado a jogar, não arriscásseis vossa vida para ganhar três num jogo em que é tamanha a incerteza da perda e do ganho. Há, porém, uma eternidade de vida e de felicidade; e, assim sendo, quando houvesse uma infinidade de probabilidades, das quais somente uma fosse por vós, ainda teríeis razão em apostar um para ter dois, e agiríeis mal, quando obrigado a jogar, se recusásseis jogar uma vida contra três num jogo em que, numa infinidade de probabilidades, há uma por vós, havendo uma infinidade de vida infinitamente feliz que ganhar. Mas, há aqui uma infinidade de vida infinitamente feliz que ganhar, uma probabilidade de ganho contra uma porção finita de probabilidades de perda, e o que jogais é finito. Jogo é jogo: sempre onde há o infinito e onde não há infinidade de probabilidades de perda contra a de ganho, não há que hesitar, é preciso dar tudo; e, assim, quando se é forçado a jogar, é preciso renunciar à razão, para conservar a vida e não arriscá-la pelo ganho infinito tão prestes a chegar quanto a perda do nada.

Por conseguinte, de nada serve dizer que é incerto ganhar-se e que é certo arriscar-se, e que a infinita distância entre a certeza do que se expõe e a incerteza do que se deve ganhar iguala o bem finito, que certamente se expõe, ao infinito incerto. Não é assim: todo jogador arrisca com certeza para ganhar incertamente o finito, sem pecar contra a razão. Não há infinidade de distância entre essa certeza do que se expõe e a incerteza do ganho; isso é falso. Há, na verdade, infinidade entre a certeza de ganhar e a certeza de perder. Mas, a incerteza de ganhar é proporcional à certeza do que se arrisca, segundo a proporção das probabilidades de ganho e de perda; de onde se conclui que, havendo tantas probabilidades de um lado como do outro, a aposta deve ser igual; e, então, a certeza do que se expõe é igual à incerteza do ganho; bem longe está de ser infinitamente distante. E, assim, a nossa proposição é de uma força infinita, quando há o finito que arriscar num jogo em que há tantas probabilidades de ganho como de perda, e o infinito que ganhar. Isso é demonstrativo; e, se os homens são capazes de algumas verdades, essa é uma delas.

Eu o declaro e o confesso. Mas, não haverá ainda um meio de ver o segredo do jogo?

Sim, a Escritura, e o resto, etc.

Sim; mas, tenho as mãos atadas e a boca muda; forçam-me a apostar, e não estou em liberdade; não me soltam, e sou feito de tal maneira que não posso crer. Que quereis, pois, que eu faça?

É verdade. Mas, conhecei ao menos a vossa impotência para crer, já que a razão a isso vos conduz, e que todavia não o podeis; trabalhai, pois, não para vos convencerdes pelo aumento das provas de Deus, mas pela diminuição das vossas paixões. Quereis chegar à fé, mas ignorais o caminho; quereis curar-vos da infidelidade, mas pedis os remédios: aprendei com os que estiveram atados como vós e que apostam agora todo o seu bem; são pessoas que se curaram do mal de que desejais curar-vos. Segui a maneira pela qual começaram: fazendo como se acreditassem, tomando água benta, mandando dizer missas, etc. Naturalmente, isso vos fará crer e vos embrutecerá.[4]

Mas, é o que receio. E porquê? que tendes que perder?





PASCAL, Blaise. Pensamentos. versão para eBook (ebooksBrasil.org) - Ridendo Castigat Mores (org), 2002.


[1] Esse artigo tem, na edição de 1779, este titulo: COMO É DIFÍCIL DEMONSTRAR A EXISTÊNCIA DE DEUS PELAS LUZES NATURAIS, MAS COMO O MAIS SEGURO É CRER NELA; e, no volume de Cousin e na edição de Faugère, o seguinte: INFINITO, NADA. O título da presente edição é o da de 1670.
[2] Este argumento tem o formato que se segue: se você acredita em Deus e estiver certo, você terá um ganho infinito; se você acredita em Deus e estiver errado, você terá uma perda finita; se você não acredita em Deus e estiver certo, você terá um ganho finito; se você não acredita em Deus e estiver errado, você terá uma perda infinita.
[3] Ou, segundo a edição de Port-Royal: "Não há tão grande desproporção entre a unidade e o infinito como entre a nossa justiça e a de Deus."
[4]  "Dissera Montaigne antes de Pascal: "Precisamos embrutecer para tornarmo-nos sábios." E São Paulo: Nemo se seducat: si quis videtur inter vos sapiens esse in hoc sceculo, stultus fiat ut sit sapiens; sapientia enim hujus mundi stultitia est apud Deum. (Epist. ad Corinth., III, 19).