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sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Princípios Filosóficos e Teológicos na Filosofia de Pascal


Na filosofia de Pascal, a dignidade do homem ou sua grandeza é o centro inquestionável, mas apresenta um lado reverso. De facto, a grandeza do homem, se contrapõe a miséria da condição humana. É o pensamento que constitui a grandeza do homem. Toda a dignidade do homem consiste no pensamento, segundo Pascal, “o homem é feito visivelmente para pensar; é toda a sua dignidade e todo o seu mérito; e todo o seu dever é pensar bem”. A condição do homem, porém, é miserável. Essa miséria humana transparece diariamente e continuamente na vida de qualquer um. Segundo Pascal, os princípios de verdade, ou seja, a razão e os sentidos carecem de sinceridade e se enganam mutuamente. Excluindo a razão científica e colocando-se diante dos próprios morais, o homem descobre a sua miséria em toda a sua evidencia.

Pascal insiste mais, porém, na miséria ontológica da condição humana. E conforme ressalta, a grandeza do homem reside também no fato de reconhecer-se como um ser cheio de misérias, impotente, finito, incerto, insuficiente, incapaz, situado entre dois extremos o finito e o infinito, sendo um nada com relação ao infinito e um tudo com relação ao nada, um meio entre o nada e o tudo, infinitamente afastado de compreender os extremos; o fim das coisas e seus princípios estão para ele invencivelmente escondidos num segredo impenetrável incapaz de ver o nada de onde foi tirado e o infinito em que é engolido.  A comparação do finito com o infinito estabelece a nulidade do homem com suficiente nitidez, afastando a necessidade de nela insistir. O que caracteriza o homem é a sua desproporção em relação ao finito e infinito. Essa desproporção com o duplo infinito da pequenez e da grandeza descreve a abolição de qualquer relação com estes dois extremos: o homem ou o ser sem relação com a natureza ou com o infinito.

Porém, essas mesmas misérias provam a sua grandeza, e, isso advém do facto de reconhecer suas limitações e tentar supera-las. Grandeza e miséria são, pois, duas faces da mesma moeda, ou seja, duas situações interligadas, dando ao homem uma dupla natureza paradoxal, pois, o homem é um ser dicotomizado, dividido e esquartejado em naturezas antagônicas, porém, complementares, e que buscam a sua própria superação. A busca pela superação do lado menos nobre “miserável” é possível pela razão, pela reflexão, mas só se chega ao seu ápice pelo recurso à religião, uma vez que a razão, por si só mostra-se insuficiente, porque não consegue explicar os primeiros princípios como espaço, tempo e números. A razão não é suficiente a si mesma, ela tem limites, e Pascal reconhece esses limites, e estabelece que a ética, a vida social e a religião é que definem o mundo humano real e esse mundo real em grande parte foge das possibilidades da razão.

Então, o homem possui duas faculdades distintas para se chegar ao conhecimento: o coração e a razão. Embora essas duas faculdades tenham objetos de conhecimentos bem distintos eles nunca entram em conflito, uma vez que cada um possui o campo de atuação, assim Pascal afirma que é inútil pedir ao coração que tenha ou faça um raciocínio lógico-matemático, assim como, é impossível pedir ao coração que tenha um sentimento. A frase de Pascal - "O coração tem razões que  própria razão desconhece" nos obriga precisamente a examinar, que razões são estas proclamadas pelo Coração. Descobrimos que além dos Sentidos (que nos coloca em contato com a natureza sensível) e da razão que organiza este conhecimento, pela sua racionalidade, descobrimos que existe um vasto universo da dimensão humana que está em uma esfera mais ampla de nossa experiência. Sentimentos (emoções) e a Intuição passam a figurar em nosso sistema.

Ao escrever sobre miséria, Pascal aborda um tema interessante, a diversão, ou seja, “divertissement”. Para ele a diversão, como um desvio do caminho, uma fuga da visão clara de que o homem tem as suas próprias misérias, mas não consegue viver com esse peso que carrega desde a queda Adâmica, por isso, ele procura se refugia na diversão, como forma de escapar ou então de mascarar a sua real situação, ou seja, uma situação miserável sem Deus. Então, a diversão passa a ser umas das maiores misérias do homem, porque ele esquece de si mesmo e mergulha numa procura insensata de satisfação onde ele esquece de olhar para dentro de si mesmo, de tomar consciência do seu estado, capaz de leva-lo a superar as suas próprias insuficiências. Divertir-se é uma forma de distrair-se com ocupações que nos distanciam das misérias que vivemos. Quando não tivermos nada para fazer sentiremos as nossas misérias, o divertimento é o fazer algo que vai distanciar nossa alma do vazio e do tédio. A diversão é uma fuga de nós mesmos.

A grandeza e a miséria humana apresentada por Pascal nos levam a suscitar indagações: de que forma percebemos hoje essa “miséria” e essa “grandeza” em nós? A humanidade diante de tantos sofrimentos e corrupções, nascidos dela mesma, já está num estágio de insensibilidade ao outro e frente àquilo que cada vez mais a oprime. O homem, hoje, mais do que nunca, busca o divertimento. Não somente como fuga, mas como um prazer, meio pelo qual procura não assumir sua condição de ser finito. Todo homem está à procura da felicidade, mesmo aqueles que se suicidam, porém, essa vem sendo buscada de maneira egoísta e envaidecida. Contudo, na via pascaliana, a grandeza deve cada vez mais associar-se à miséria humana pela reflexão.

Segundo Pascal "A miséria deduz-se da grandeza, e a grandeza da miséria. Uns tanto mais poderosamente deduzem a miséria, quanto mais for­temente provam a grandeza; outros deduzem a grandeza da maior prova da miséria. Tudo quanto uns dizem para deduzir a grandeza é para outros argumentos com que deduzem a miséria, e vice-versa. Uns e outros se colocam num círculo vicioso, já que, à medida que os homens têm mais luzes, mais miséria e grandeza descobrem no Ho­mem. Numa palavra: o Homem reconhece que é mísero; é mísero porque o é, mas é grande porque o reconhece. Tal duplicidade do Homem é tão visível que houve quem chegasse a pensar que pos­suímos duas almas”.

A superação dos vários paradoxos que afligem o homem, segundo Pascal, requer a intervenção da divindade. Só Deus, portanto, pode salvar o homem e a este só resta ter fé, alimentar a fé, que é essencialmente dom de Deus. Pascal desde cedo teve uma educação cristã, mesmo tendo dedicado á ciência, não perdeu o vínculo com Deus. Porém, pouco antes dos 30 anos ele se afasta da vida religiosa e se entrega ao bom-viver da sociedade parisiense. Mas, um acidente de carruagem, modifica de novo sua vida. Recupera e começa a viver profundamente a prática religiosa, tornando-se praticamente um místico. Apesar de ter uma saúde frágil, leva uma vida intensa de trabalho, e, por ter uma mente inquieta, passa a reelaborar suas reflexões filosóficas dando-lhe um cunho teológico. Contudo, ele não mescla filosofia com teologia e privilegia a independência de ambos. Por outro lado, fixa uma delimitação clara entre o saber científico e a fé religiosa, fazendo assim a distinção entre as ciências empíricas e a teologia. Através distinção, ele especifica os métodos relativos delineando as respetivas caraterísticas do discurso científico e do teológico. Ele ataca os princípios da autoridade na pesquisa racional, uma vez que esse principio só é legítimo nas verdades da fé, ou seja, reveladas, uma vez que, as verdades teológicas e as que obtemos pelo raciocínio e pela experiência são diferentes: as primeiras são dom de Deus e portanto, eternas e as segundas frutos da atividade humana e necessariamente, progressivas.

Assim, a fé independe da razão. Então a razão não pode resolver o problema da fé, uma vez que este é dom de Deus. Por isso é que a razão nunca pode afirmar que Deus existe, porque só através da fé que Deus pode transmitir ao ser humano a experiência íntima da sua existência. Por isso pascal afirma que “o coração e não a razão que sente Deus que é sensível a fé a não a razão. Essa dicotomia entre saber e fé, entre razão e fé, está implícita nessa frase do próprio Pascal: “O coração tem razões, que a própria razão desconhece.”  

De todo modo, mesmo que sejamos limitados, somos os únicos seres pensantes da natureza. Somos também um dos seres mais fracos da natureza, mas somos fracos pensantes e é no pensamento que está nossa dignidade, nossa nobreza e superioridade frente à natureza. Nós somos miseráveis e mortais, mas sabermos que somos miseráveis e mortais e nisso está nossa grandeza, por isso, Pascal escreveu o seguinte fragmento: "O homem não passa de um caniço, o mais fraco da natureza, mas é um caniço pensante. Não é preciso que o universo inteiro se arme para esmagá-lo: um vapor, uma gota de água basta para matá-lo. Mas, mesmo que o universo o esmagasse, o homem seria ainda mais nobre do que quem o mata, porque sabe que morre e a vantagem que o universo tem sobre ele; o universo desconhece tudo isso. Toda a nossa dignidade consiste, pois, no pensamento. Daí que é preciso nos elevarmos e não do espaço e da duração, que não podemos preencher. Trabalhemos, pois, para bem pensar; eis o princípio da moral. Não é no espaço que devo buscar minha dignidade, mas na ordenação de meu pensamento. Não terei mais, possuindo terras; pelo espaço, o universo me abarca e traga como um ponto; pelo pensamento, eu o abarco". Pascal, Pensèes.

Bibliografia:
PASCAL “Cientista e Filósofo Místico” - Coleção Filosofia Comentada – Editor Lafonte, 2011.
PASCAL, Blaise. Pensamentos. v.16. Os Pensadores. Trad. de S. Milliet. 2 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores).


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