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quinta-feira, 31 de outubro de 2013

A COMPREENSÃO DO HOMEM - BLAISE PASCAL


Pascal empenha-se no estudo do homem antes e depois do pecado original “http://blaisepascalogenio.blogspot.com.br/2013/10/a-natureza-do-homem-antes-e-depois-do.html” para depois analisar as outras dimensões paradoxais da condição humana. Esse estudo, pode ser definido como o resgate da dignidade do homem. Ele define o homem como sendo o centro do universo, e pólo centralizador de todo o criado, é a expressão máxima e mais sublime de todo o orbe. Figura central do mundo criado, nada mais natural que esse fato ressalte por si só a grandeza e a dignidade do ser humano, porém à grandeza do homem se contrapõe a miséria da condição humana. Toda a dignidade e a grandeza do homem consistem no pensamento, ou seja, na razão, contudo, a condição humana é miserável, A grandeza do homem é grande na medida em que ele  se conhece miserável”, afirma o filósofo. “Uma árvore não  sabe que é miserável. É, pois, ser miserável conhecer-se  miserável; mas é ser grande saber que se é miserável” Blaise Pascal, in 'Pensamentos’. Essa miséria humana transparece continuamente na vida de qualquer um.  

Para Pascal o homem situa-se entre duas realidades infinitas: o macro e o microcosmo. Sendo o primeiro o universo invisível na totalidade por sua grandeza e o segundo a natureza também infinita nas suas divisões intermináveis. Pascal nos coloca diante da angústia da nossa finitude em meio a estas realidades, pois “é inútil dilatar nossas”  concepções além dos espaços imagináveis” (PASCAL, 1995, p. 142). Seu objetivo é perceber o real valor do homem, da terra e do artifício por ele produzido. Assim: “Que o homem, tendo voltado a si, considere o que é em relação ao que existe; que se considere perdido nesse cantão desviado da natureza; e que, desse pequeno cárcere em que se acha instalado, e  entendo o universo, aprenda a estimar a terra, os reinos, as cidades e a si mesmo segundo o seu justo valor (PASCAL, 1995, p. 142).

Pascal direciona o estudo do homem pela necessidade de comunicação, que não é apenas com os outros, mas também consigo mesmo, isto é, clareza e sinceridade consigo próprio. “O homem é visivelmente feito para pensar. Aí reside toda a sua dignidade e todo o seu mérito, e todo o seu dever é pensar com acerto. Porque a ordem do seu pensamento é começar por si, pelo seu autor e pelo seu fim.
Ora em que pensa o mundo? Nunca nessas coisas; mas em dançar, em tocar alaúde, em cantar, em fazer versos, em jogar ao anel, etc., em combater, em chegar a rei, sem pensar no que é ser rei e no que é ser homem
Blaise Pascal, in 'Pensamentos’. Ou seja, o homem devia começar a pensar em si próprio, mas tal não acontece e procura-se de preferência a ciência das coisas exteriores. Por isso, o homem deve empenhar-se e conhecer-se a si mesmo a partir das suas insuficiências, como um ser historicamente dividido, extraviado e esquartejado entre duas naturezas antagónicas, no qual não é possível existir comunicação entre as três ordens “carne, espírito e vontade”.

O homem deve começar por si, a sua tarefa essencial e primeira é a de conhecer-se a si mesmo. Mas para tal a razão não lhe serve de nada. Como guia do homem, a razão é débil, inútil e incerta. Ela submete-se facilmente à imaginação, ao costume e ao sentimento, que impelem o homem para extremos opostos, e a razão que devia instituir regras é flexível e incapaz de instruí-la. Outra via de acesso à realidade humana é o coração. O coração, diz Pascal, “tem razões que a razão desconhece: percebe-se isso em mil coisas...Blaise Pascal, in 'Pensamentos’. Entender e fazer valer as razões do coração é a tarefa do espírito de finura. O antagonismo entre coração e razão, entre o conhecimento demonstrativo e a compreensão instintiva é expresso por Pascal como um antagonismo entre o espírito de geometria e o espírito de finura. No princípio de geometria, os princípios não são palpáveis, alheios ao uso comum, e difíceis de ver, mas, uma vez vistos, é impossível que nos fujam. No espírito de finura, os princípios estão no uso comum, perante os olhos de todos “A diferença entre o espírito de geometria e o espírito de finura, num os princípios são palpáveis, mas afastado do uso comum; (...) no outro os princípios são de uso comum aos olhos do mundo”... Blaise Pascal, in 'Pensamentos’.

 As coisas relativas à finura sentem-se mais do que se vêem, requer um esforço imenso para fazê-las sentir aos que não sentem por si e não se podem demonstrar completamente porque não se conhecem os seus princípios como se conhecem os da geometria. O espírito de finura vê o objeto de um só golpe de vista e não através do raciocínio. A diferença é que o primeiro raciocina e o segundo compreende. A eloquência, a moral, a filosofia fundam-se no espírito de finura, isto é, na compreensão do homem, e quando dele prescindem tornam-se incapazes de atingir os seus objetivos. O homem não pode conhecer-se como objeto geométrico, não pode comunicar consigo mesmo e com os outros mediante uma cadeia de raciocínios.

A maior baixeza do homem é a procura da glória, por mais posses que tenha na terra, por mais saúde e comodidade que possua não se sente satisfeito se não conta com a estima dos homens. Ele considera a razão do homem tão grande que, por maior vantagem que tenha na terra, não se considera satisfeito se não estiver também vantajosamente colocado na razão humana. É o mais belo lugar do mundo, e nada pode desviar o homem desses desejos. É essa a qualidade mais indelével do coração humano. Os que mais desprezam os homens igualando-os aos animais, ainda querem ser admitidos e acreditados, por isso contradizem por seu próprio sentimento, a sua natureza é mais forte do que tudo os convence de grandeza do homem mais fortemente do que a razão os convence da sua baixeza.

Acredita-se que, a partir desse projeto antropológico, Pascal pensou todos os fundamentos da natureza humana, e desenvolveu as suas reflexões tornando possível uma leitura objetiva da sua posição quanto à condição do homem. Não se trata de um estudo que leva o homem voltar-se para si soberbo, nem de uma rejeição de todas as suas qualidades, mas sim de um processo de renúncia de toda e qualquer forma de concupiscência. Trata-se de um voltar-se sério e objetivo para a sua condição de finitude e da aceitação desta situação, para procurar a verdade. Caso queiramos compreender em que consiste o conhecimento e a reflexão sobre “o homem”, onde a tarefa primordial é o “conhecer a si mesmo”, é na grandeza que o homem se reconhece como mísero; é mísero quando não consegue se livrar-se das amarras que o prendem, fruto da decadência humana, e a necessidade de comunicação consigo mesmo, em detrimento da procura das coisas exteriores.
A conclusão que se pode chegar, é que o estudo do homem em Pascal passa necessariamente pelo estudo e a interpretação dos dois estados “antes e depois do pecado”; como guia inicial, e força motriz para alargar a pesquisa para outros domínios da condição humana. A postura de Pascal é definida por muitos, como sendo “anti-humanista”, uma vez que, para ele, o humanismo significa esquecer o Divino, isto é, de certa forma, a mesma atitude que Adão teve ao virar as costas para Deus, e afirmar a sua própria suficiência como criatura. Nesse caso, entende-se a concupiscência como o abandono de Deus. Por isso, para sermos capazes de desejar de modo reto, precisamos pedir ajuda a Deus.

A dupla natureza do homem não se dissolve e é difícil de conceber, o homem continua na tentativa de tudo abraçar ou ao menos estar seguro em alguma certeza. O homem após a queda ainda detém uma vontade insaciável e justamente ela pode conduzi-lo tanto para a concupiscência, sua pior indigência, como para Deus, que pode proporcionalmente saciá-la por ser também infinito. Direcionar esta vontade para bem pensar se constitui o grande desafio humano, pois a alma tende naturalmente a primeira opção. No entanto o pensamento não pode estabelecer relação com o mistério, só quando o homem recebe não apenas o que não pode compreender, mas aceita a sua incoerência pode encontrar o Absoluto, ou seja, Deus.

O homem possui dois tipos de grandeza: as naturais e as de posição. As grandezas naturais são as que não dependem do capricho dos homens, porque consistem em qualidades reais e efetivas da alma ou do corpo, que tornam mais estimável (como ocorre com as ciências) a luz da inteligência, a virtude, a saúde, a força. As grandezas de posição dependem da vontade dos homens, que acreditaram com razão dever honrar certas condições sociais e atribuir-lhes certa respeitabilidade. Infelizmente, como Pascal percebeu desde sua época e muito mais se vê hoje, o valor do homem se reproduz na aparência, nas imagens reproduzidas e criadas por ele e que regem as relações, mas que não o retratam intrinsecamente.

Arlindo Rocha
Graduado em Filosofia pela Universidade Pública de Cabo verde.

Bibliografia:
PASCAL “Cientista e Filósofo Místico” - Coleção Filosofia Comentada – Editor Lafonte, 2011.
PASCAL, Blaise. Pensamentos. Os Pensadores. Trad. de S. Milliet. 2ª ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores).


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