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quarta-feira, 23 de outubro de 2013

SEGUNDA NATUREZA EM PASCAL – O HOMEM DECAÍDO.

No pensamento de Blaise Pascal, o estudo da segunda natureza do homem (decaído) ocupa um ponto central e inquestionável na sua antropologia, uma vez que, o pecado original levou o homem à segunda natureza. Mas o que é o pecado original? Tradicionalmente, se usa essa expressão por três razões: primeiro, porque o pecado tem sua origem na época da origem da raça humana, segundo, porque é a fonte de todos os pecados atuais que mancham a vida do homem e por último, porque está presente na vida de cada indivíduo desde o momento do seu nascimento, e inda, pode ser dividido em dois elementos: culpa e corrupção. A culpa é o estado no qual se merece a condenação pela violação de uma lei ou de uma exigência e corrupção é a contaminação inerente à qual todo pecador está sujeito. É o estado pecaminoso, que se propaga e afeta todas as partes da natureza humana e resulta numa incapacidade total.

 Então, Para compreender o conceito de segunda natureza em Pascal é importante fazer algumas considerações da condição humana a ótica pascalina. Para Pascal, o homem guarda em si o antagonismo entre miséria e grandeza, o homem é ao mesmo tempo grande e pequeno, fraco e forte. Esta visão paradoxal do homem é derivada dos conceitos teológicos de pecado original e consequentemente queda, aos quais Pascal recorre para explicar a condição humana. Então, em primeira instância, o pecado original e a queda são marcas primordiais da segunda natureza humana, fundamento da existência finita e contraditória do homem.

A natureza do homem, no estado pós-queda, não é mais unitária, como o fora no primeiro estado, mas sim, é dupla, contraditória e paradoxal; em outras palavras, na segunda natureza o homem se caracteriza por sua própria miséria e inconstância. As Escrituras mostram que o pecado original causou uma terrível corrupção na natureza humana, o homem caiu da primeira natureza “estado puro”, para uma segunda natureza “estado de corrupção”. Esta queda representa o estado de miséria em que todos os homens vivem no mundo, e justifica o fato do homem ser pequeno e fraco, o mais fraco da natureza, pois vive agonizando num mundo corrompido e distante de Deus. Contudo, o homem mesmo sendo miserável e fraco não deixa de buscar a verdade e o bem puro perdido após a queda, ou seja, ele está sempre procurando refazer o elo que o ligava ao seu Criador, tendo em conta que, é uma natureza abandonada.

A segunda natureza é assim, para Pascal própria do homem, abandonado por Deus, onde reina o hábito e o costume e a concupiscência. É nesta natureza, abandonada que se erguem os princípios políticos e morais norteadores da vida efêmera do homem. Nesta concepção pascalina de segunda natureza é possível destacar que o homem é considerado um ser histórico e não natural. Sua natureza são hábitos e costumes que ele cria, é a cultura formada no tempo, portanto, é a própria existência humana finita. Assim, Pascal diz: “Não há nada que a gente não torne natural. Não há natural que a gente não faça perder” (B. 94; L. 630).

Assim, Pascal se opõe à existência do direito natural, pois no mundo humano reina a segunda natureza, que é a responsável por prescrever o direito, a moral e a política, não estando conformada com os princípios imutáveis da primeira natureza, mas em oposição a ela. Na segunda natureza reina a instabilidade, o direito supremo não pode ser encontrado, ele é da ordem da natureza, do qual homem é decaído. Então na segunda natureza, não há nada autêntico. Pascal, pensa o homem, como tendo várias determinações da condição humana, como um ser finito, contraditório e histórico-temporal. Essas determinações antropológicas constituem o estatuto epistêmico do homem distinto das categorias teológicas.

Pascal argumenta que, “se há princípios que não se apagam diante do costume”, não é que eles sejam primeiros em natureza, mas é que são princípios que, constituídos em segunda natureza (logo, em determinados costumes), justamente por isso resistem às mudanças dos costumes e hábitos, ou ainda, se preservam diante de outros costumes e hábitos mais recentes, tanto quanto há outros desses que se impõem aos mais antigos.

Ao escrever sobre a miséria humana, ou seja, a segunda natureza, Pascal aborda outro tema interessante, a diversão (divertissement). Para ele a diversão é o desvio, um descaminho, uma fuga clara diante da visão que o homem tem de sua própria miséria. E a diversão passa por se constituir na maior das misérias do homem, porque o impede de olhar para dentro de si mesmo, de tornar consciência do seu estado de comiseração, impedindo-o de seguir o único caminho capaz de leva-lo a superar a própria miséria, a desfazer-se dela para readquirir sua plena dignidade e grandeza.

Retomando a questão inicial, observa-se que, o pecado original e a queda de Adão trouxeram consequências desastrosas para ele, e para toda a humanidade. Então, entender o que aconteceu após o pecado é chave para compreendermos a situação em que o homem se encontra hoje, uma vez que, ao cometer o pecado, decaiu da sua retidão original e da comunhão com Deus, tornando-se um escravo do pecado, suas faculdades ficaram inteiramente corrompidas.

Ao ler o texto de Gênesis 3:7-24, constatam-se outras consequências: resumidamente,  após o pecado de Adão e Eva, eles foram dominados por um sentimento de vergonha e culpada, por isso, foram expulsos da presença de Deus, no entanto, tentaram salvar as aparências, ao invés de procurar o perdão de Deus, com isso, não haveria mais fuga de responsabilidade. A mulher daria a luz em meio a dores, a terra seria amaldiçoada e a natureza sofreria junto com a humanidade, compartilhando assim as consequências, a terra passou a ser estéril e o sustento passou a ser obtido com fadiga, e por fim, a morte física, mental e eterna alcança o homem definitivamente.

Como habitantes da segunda natureza, o homem ficou desprovido de qualquer relação com Deus e passou a ser dono e Senhor de si mesmo, único responsável pelos seus atos, e por isso, passou a ter uma existência exilada. Nessa segunda natureza, ainda podemos identificar vários conceitos presentes na obra Pensées, que caracterizam de fato a situação humana pós-queda: a corrupção, a busca de glória, a dissimulação da identidade, o hábito e o costume, o divertimento, a ignorância, a depravação total, a Incapacidade Espiritual...

Sendo assim, o primeiro marco dessa natureza é a busca desenfreada pela glória, e por isso, Pascal afirma: “A maior baixeza do homem é a busca da glória”, nessa procura, o homem recorre à dissimulação da sua identidade, ele não se contenta com a vida que tem, e quer viver na ideia dos outros, uma vida imaginária e por isso, esforça por manter as aparências. Se estiver feliz, tranquilo ou é generoso com alguém, apressa-se logo e partilhar com os outros provando assim a sua benevolência. O divertimento e o tédio são outras marcas dessa natureza, então Pascal nos diz (...) “a única coisa que nos consola das nossas misérias é o divertimento, e, contudo, é a maior das nossas misérias, porque nos impede de pensar em nós. Sem isso, estaríamos no tédio, e este tédio levava-nos a procurar um meio mais sólido de sair dele, mas o divertimento distrai-nos e faz-nos chegar insensivelmente à morte”. Outras ainda são a ignorância pura e natural, na qual se encontram todos os homens ao nascer, e aquela a que chegam as grandes almas que, tendo percorrido tudo quanto os homens podem saber, acham que nada sabem e voltam a encontrar-se nessa mesma ignorância da qual tinham partido e a busca e a conquista das coisas materiais, e também,  através do jogo, se busca a verdade, do mesmo modo nas paixões. O que dá prazer é assistir ao combate entre duas equipes contrárias. Mas é o hábito que nos dá provas mais fortes e mais críveis; inclina o autómato, que arrasta o espírito, sem que ele o saiba. De tudo o que acrescentar é a cegueira que o homem e a miséria do homem, que ao contemplar o universo, ele se sente abandonado si mesmo e como que perdido nesse recanto do universo, sem saber quem o depôs ali, o que aí veio fazer, o que será dele ao morrer, incapaz de qualquer conhecimento, sente-se aterrorizado como um homem que tivesse adormecido numa ilha deserta e aterrorizante e que despertasse sem saber onde está e sem condições de sair dali. 

Na situação dramática na qual o homem se encontra, ele não pode evitar o pecado sem a graça. Ou seja, a superação da segunda natureza, reside na graça, Isto significa que, sem a graça, o homem não é capaz de observar um comportamento moralmente reto.



Bibliografia  
PASCA, Blaise “Filosofia comentada” António G. da Silva – Editora Lafonte 2011



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