No pensamento de Blaise
Pascal, o estudo da segunda natureza do homem (decaído) ocupa um ponto central e
inquestionável na sua antropologia, uma vez que, o pecado original levou o
homem à segunda natureza. Mas o que é o pecado original? Tradicionalmente, se usa
essa expressão por três razões: primeiro, porque o pecado tem sua origem na
época da origem da raça humana, segundo, porque é a fonte de todos os pecados
atuais que mancham a vida do homem e por último, porque está presente na vida
de cada indivíduo desde o momento do seu nascimento, e inda, pode ser dividido
em dois elementos: culpa e corrupção. A culpa é o estado no qual se merece a
condenação pela violação de uma lei ou de uma exigência e corrupção é a contaminação
inerente à qual todo pecador está sujeito. É o estado pecaminoso, que se
propaga e afeta todas as partes da natureza humana e resulta numa incapacidade
total.
Então, Para compreender o conceito de segunda
natureza em Pascal é importante fazer algumas considerações da condição humana
a ótica pascalina. Para Pascal, o homem guarda em si o antagonismo entre
miséria e grandeza, o homem é ao mesmo tempo grande e pequeno, fraco e forte.
Esta visão paradoxal do homem é derivada dos conceitos teológicos de pecado
original e consequentemente queda, aos quais Pascal recorre para explicar a
condição humana. Então, em primeira instância, o pecado original e a queda são
marcas primordiais da segunda natureza humana, fundamento da existência finita
e contraditória do homem.
A natureza do homem, no
estado pós-queda, não é mais unitária, como o fora no primeiro estado, mas sim,
é dupla, contraditória e paradoxal; em outras palavras, na segunda natureza o
homem se caracteriza por sua própria miséria e inconstância. As Escrituras mostram
que o pecado original causou uma terrível corrupção na natureza humana, o homem
caiu da primeira natureza “estado puro”, para uma segunda natureza “estado de
corrupção”. Esta queda representa o estado de miséria em que todos os homens
vivem no mundo, e justifica o fato do homem ser pequeno e fraco, o mais fraco
da natureza, pois vive agonizando num mundo corrompido e distante de Deus. Contudo,
o homem mesmo sendo miserável e fraco não deixa de buscar a verdade e o bem puro
perdido após a queda, ou seja, ele está sempre procurando refazer o elo que o
ligava ao seu Criador, tendo em conta que, é uma natureza abandonada.
A segunda natureza é
assim, para Pascal própria do homem, abandonado por Deus, onde reina o hábito e
o costume e a concupiscência. É nesta natureza, abandonada que se erguem os
princípios políticos e morais norteadores da vida efêmera do homem. Nesta
concepção pascalina de segunda natureza é possível destacar que o homem é
considerado um ser histórico e não natural. Sua natureza são hábitos e costumes
que ele cria, é a cultura formada no tempo, portanto, é a própria existência
humana finita. Assim, Pascal diz: “Não há
nada que a gente não torne natural. Não há natural que a gente não faça perder”
(B. 94; L. 630).
Assim, Pascal se opõe à
existência do direito natural, pois no mundo humano reina a segunda natureza, que
é a responsável por prescrever o direito, a moral e a política, não estando
conformada com os princípios imutáveis da primeira natureza, mas em oposição a
ela. Na segunda natureza reina a instabilidade, o direito supremo não pode ser
encontrado, ele é da ordem da natureza, do qual homem é decaído. Então na
segunda natureza, não há nada autêntico. Pascal, pensa o homem, como tendo
várias determinações da condição humana, como um ser finito, contraditório e
histórico-temporal. Essas determinações antropológicas constituem o estatuto
epistêmico do homem distinto das categorias teológicas.
Pascal argumenta que,
“se há princípios que não se apagam diante do costume”, não é que eles sejam
primeiros em natureza, mas é que são princípios que, constituídos em segunda
natureza (logo, em determinados costumes), justamente por isso resistem às
mudanças dos costumes e hábitos, ou ainda, se preservam diante de outros
costumes e hábitos mais recentes, tanto quanto há outros desses que se impõem
aos mais antigos.
Ao escrever sobre a
miséria humana, ou seja, a segunda natureza, Pascal aborda outro tema
interessante, a diversão (divertissement).
Para ele a diversão é o desvio, um descaminho, uma fuga clara diante da visão
que o homem tem de sua própria miséria. E a diversão passa por se constituir na
maior das misérias do homem, porque o impede de olhar para dentro de si mesmo,
de tornar consciência do seu estado de comiseração, impedindo-o de seguir o
único caminho capaz de leva-lo a superar a própria miséria, a desfazer-se dela
para readquirir sua plena dignidade e grandeza.
Retomando a questão
inicial, observa-se que, o pecado original e a queda de Adão trouxeram
consequências desastrosas para ele, e para toda a humanidade. Então, entender o
que aconteceu após o pecado é chave para compreendermos a situação em que o
homem se encontra hoje, uma vez que, ao cometer o pecado, decaiu da sua retidão
original e da comunhão com Deus, tornando-se um escravo do pecado, suas
faculdades ficaram inteiramente corrompidas.
Ao ler o texto de
Gênesis 3:7-24, constatam-se outras consequências: resumidamente, após o pecado de Adão e Eva, eles foram
dominados por um sentimento de vergonha e culpada, por isso, foram expulsos da
presença de Deus, no entanto, tentaram salvar as aparências, ao invés de
procurar o perdão de Deus, com isso, não haveria mais fuga de responsabilidade.
A mulher daria a luz em meio a dores, a terra seria amaldiçoada e a natureza sofreria
junto com a humanidade, compartilhando assim as consequências, a terra passou a
ser estéril e o sustento passou a ser obtido com fadiga, e por fim, a morte física,
mental e eterna alcança o homem definitivamente.
Como habitantes da segunda
natureza, o homem ficou desprovido de qualquer relação com Deus e passou a ser
dono e Senhor de si mesmo, único responsável pelos seus atos, e por isso,
passou a ter uma existência exilada. Nessa segunda natureza, ainda podemos
identificar vários conceitos presentes na obra Pensées, que caracterizam de
fato a situação humana pós-queda: a corrupção, a busca de glória, a
dissimulação da identidade, o hábito e o costume, o divertimento, a ignorância,
a depravação total, a Incapacidade Espiritual...
Sendo assim, o primeiro
marco dessa natureza é a busca desenfreada pela glória, e por isso, Pascal
afirma: “A maior baixeza do homem é a
busca da glória”, nessa procura, o homem recorre à dissimulação da sua identidade,
ele não se contenta com a vida que tem, e quer viver na ideia dos outros, uma
vida imaginária e por isso, esforça por manter as aparências. Se estiver feliz,
tranquilo ou é generoso com alguém, apressa-se logo e partilhar com os outros
provando assim a sua benevolência. O divertimento e o tédio são outras marcas dessa
natureza, então Pascal nos diz (...) “a
única coisa que nos consola das nossas misérias é o divertimento, e, contudo, é
a maior das nossas misérias, porque nos impede de pensar em nós. Sem isso, estaríamos no tédio, e este tédio
levava-nos a procurar um meio mais sólido de sair dele, mas o divertimento
distrai-nos e faz-nos chegar insensivelmente à morte”. Outras ainda são
a ignorância pura e natural, na qual se encontram todos os homens ao nascer, e
aquela a que chegam as grandes almas que, tendo percorrido tudo quanto os
homens podem saber, acham que nada sabem e voltam a encontrar-se nessa mesma ignorância
da qual tinham partido e a busca e a conquista das coisas materiais, e também, através do jogo, se busca a verdade, do mesmo
modo nas paixões. O que dá prazer é assistir ao combate entre duas equipes contrárias. Mas
é o hábito que nos dá provas mais fortes e mais críveis; inclina o autómato,
que arrasta o espírito, sem que ele o saiba. De tudo o que acrescentar é a
cegueira que o homem e a miséria do homem, que ao contemplar o universo, ele se
sente abandonado si mesmo e como que perdido nesse recanto do universo, sem
saber quem o depôs ali, o que aí veio fazer, o que será dele ao morrer, incapaz
de qualquer conhecimento, sente-se aterrorizado como um homem que tivesse
adormecido numa ilha deserta e aterrorizante e que despertasse sem saber onde
está e sem condições de sair dali.
Na situação dramática
na qual o homem se encontra, ele não pode evitar o pecado sem a graça. Ou seja,
a superação da segunda natureza, reside na graça, Isto significa que, sem a
graça, o homem não é capaz de observar um comportamento moralmente reto.
Bibliografia
PASCA,
Blaise “Filosofia comentada” António G. da Silva – Editora Lafonte 2011
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