Que o homem, tendo
voltado a si, considere o que é em relação ao que existe; que se considere
perdido nesse cantão desviado da natureza; e que, desse pequeno cárcere em que
se acha instalado, e entendo o universo, aprenda a estimar a terra, os remos,
as cidades e a si mesmo segundo o seu justo valor (PASCAL, 1995, p. 142).
Referindo-se
aos conhecimentos naturais, o autor reconhece que em extensão, o universo muito
supera o homem. Esse “homem não passa de um caniço, o mais fraco da natureza”
(PASCAL, 1995, p. 154). Além disso, Pascal têm consciência de que a natureza é
muito mais do que apresenta a sua aparência física: “quando se é instruído, compreende-se
que a natureza, tendo gravado a sua imagem e a do seu autor em todas as coisas,
estas têm quase a sua dupla infinidade” (PASCAL, 1995, p. 143).
Por
dupla infinidade, o autor entende os dois extremos da natureza: o infinitamente
grande e o infinitamente pequeno. Diante desses infinitos, Pascal procura
compreender qual a relação de proporcionalidade existente entre o homem e a
natureza. Nessa pesquisa, o filósofo conclui que, na natureza, o homem é
[...] um nada em
relação ao infinito, tudo em relação ao nada: um meio entre nada e tudo.
Infinitamente afastado de compreender os extremos, o fim das coisas e o seu
princípio estão para ele invencivelmente ocultos num segredo impenetrável;
igualmente incapaz
de ver o
nada de onde foi tirado e o infinito que o absorve (PASCAL, 1995, p. 143).
Essa
conclusão apresentada pelo autor parece contraditória, mas, segundo Parraz,
torna-se compreensível, já que partindo do universo “como referencial para
ver o homem, este se torna um nada e, utilizando-se do homem como referencial para
ver o infinito em pequenez, ele se torna um todo” (2008, p. 186).
Em suma, a reflexão pascaliana nos apresenta uma “ausência de proporção, isto é, a
não igualdade de relações entre o sujeito e a "realidade das coisas” (PARRAZ, 2008, p. 179). Há uma desproporcionalidade do homem com o
objeto de seu conhecimento, a natureza, expressa nessa situação mediana em que
ele se encontra.
Quando considero a
pequena duração de minha vida absorvida na eternidade precedente e seguinte,
memoria hospitis unius diei proetereuntis [Na memória do hóspede do dia
precedente], o pequeno espaço que encho, e mesmo que vejo abismado na infinita imensidade
dos espaços que ignoro, e que tu ignoras, espanto-me e assombro-me ao ver aqui
antes que lá, pois não havia razão por que aqui antes que lá, por que agora
antes que então! Quem me pôs aqui? Por ordem e conduta de quem este lugar e
este tempo me foram destinados? (PASCAL, 1995, p. 149).
Toda
essa colocação sobre a situação do homem no universo propõe uma pergunta
intrigante: a este homem, que é possível conhecer? A tal questionamento, Pascal
responde que “conhecemos, pois, o nosso alcance; somos alguma coisa e não
somos tudo” (1995, p. 144).
Sendo a Natureza
duplamente infinita e o homem um ser do meio, todo o discurso sobre a Natureza
e sobre o homem só pode ser um discurso parcial. Parcial porque, como meio
entre o nada e o tudo, ao homem é interditado o conhecimento dos primeiros
princípios, primeiras causas: ‘*...+ como uma mesma causa pode produzir vários efeitos
diferentes, um mesmo efeito pode ser produzido por várias causas diferentes’
(PASCAL, Oeuvres Completes). Como meio entre meios, ao homem somente é possível
um conhecimento aparente das coisas. Como uma interação generalizada, o
conhecimento verdadeiro da Natureza e de si próprio deve ser o do todo e de
suas partes (PARRAZ, 2008, p. 185).
Essa
parcialidade indica limites, não impossibilidade de verdade à capacidade cognitiva
humana. Segundo Atali, Pascal
Acha que o mundo é um
caos por decifrar, um código a desvendar. Entendeu [que] existem leis dessa
desordem, leis do acaso, e que estas nem sempre são lógicas, mas que é possível
abordá-las estudando um grande número de casos. Pois compreendeu que há uma
ordem no caos do acaso. [...] Compreendeu que o cálculo das probabilidades é o
cálculo das ocorrências de um acontecimento particular sobre um número infinito
de casos. Daí conclui que existe um elo entre o acaso e o infinito (ATALI Apud
SANTOS, 2011, p. 3).
Por
isso, Pascal pode assegurar que “toda dignidade do homem está no pensamento”
(1995, p. 154) e que por essa capacidade ele se destaca no universo pois
acredita que o conhecimento objetivo e demonstrativo da ciência proporciona alcançar
muitas verdades objetivas, o próprio Pascal descobriu muitas dessas em seus estudos
de física, matemática e geometria, no entanto, na filosofia pascaliana, presencia-se
uma dialética que aponta para “+ a insuficiência da razão [o Espírito de geometria]
no empenho de buscar um horizonte último que dê sentido a todas as coisas”
(SPENGLER, 2004, p. 37) abrindo espaço para uma segunda dimensão do espírito,
que autor denomina espírito de finesse, que orientado pelos sentimentos, pelo
coração, busca responder os problemas existenciais humanos
.
A
dialética pascaliana mostra que alguns princípios, dentre eles Deus, não podem
ser tocados pela razão demonstrativa – o espírito de Geometria – mas podem ser
sentidos pelo coração. A própria condição do homem só pode ser conhecida pelo espírito
de finesse: “não se é miserável sem sentimento. Uma casa em ruínas não o é. Só
o homem é miserável” (PASCAL, 1995, p. 153).
Desse
modo, [...] a razão adquire assim uma posição particular: de um lado, se empenha
na reflexão para a formulação das definições, distinções e organização dos
dados recolhidos a partir da experiência externa e científica; do outro lado,
pode também ser constantemente despertada para acolher, a partir desta
compreensão da finesse, a possibilidade de vislumbrar dimensões novas, de onde
a experiência existencial lhe concede sempre de novo a possibilidade de
investigar (SPENGLER, 2010, p. 69).
Relembrando
o grau de importância que a existência humana possui em Pascal, compreende-se
que a pesquisa racional, por si só, torna-se estranha ao homem não lhe
alcançando significado. O avanço das verdades científicas não basta, pois “isto
não é suficiente para proporcionar ao homem o consolo e a edificação que seu
estado o conduz a procurar” (SPENGLER, 2004, p. 35).
Em
síntese, afirma Pascal nos Pensamentos,
[...] vagamos num
meio vasto, sempre incertos e flutuantes, impelidos de uma extremidade a outra.
Algum termo em que pensássemos ligar-nos e firmar-nos, abala e nos abandona; e,
se o seguimos, ele escapa à nossa captura, escorrega-nos e foge com uma fuga
eterna. Nada se detém para nós. É o estado que nos é natural e todavia, o mais contrário à nossa inclinação:
queimamos de desejo de achar assento
firme e uma última base constante para nela edificar uma torre que se eleve ao infinito; mas, todo
o nosso fundamento estala e a terra se abre até aos abismos. (1995, p. 145)
No
fim, o homem se encontra novamente num paradoxo. Temos a razão, mas não podemos
tudo conhecer nem encontrar segurança na natureza. Portanto, a verdadeira
reflexão conduz-nos a nossa miséria, nossa insuficiência diante de Deus e do
infinito. Não podemos dispor de segurança e firmeza, nem em nossa razão – já
que ela “*...+ está sempre caída pela inconstância das aparências; nada pode
fixar o finito entre os infinitos que a encerram e a evitam” (PASCAL, 1995, p.
145) – nem na natureza, haja vista a situação de pequenez da condição humana no
seu frágil vagar mediano entre os infinitos, sempre incerto e flutuante.
Considerando sua situação na natureza, pode-se inferir o estado de angústia em
que se encontra o homem.
FONTE: http://revistapandorabrasil.com/revista_pandora/filosofia_34/jandir.pdf
http://www.youtube.com/watch?v=6IgtwxesIwQ
http://www.youtube.com/watch?v=6IgtwxesIwQ
Sem comentários:
Enviar um comentário