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quinta-feira, 10 de abril de 2014

O homem no universo: possibilidades e limites

Numa visão global do pensamento pascaliano, nota-se que o homem ocupa um  lugar central. Desse problema, primeiro emanam todas as considerações restantes a serem feitas. Carregando em seu ser a tragicidade do paradoxo, sua ação e estado na natureza sofrem, por essa sua característica, algumas influências, por isso, ao elaborar sua teoria do conhecimento, Pascal atribui grande importância à pergunta “quem é o homem?”:

Que o homem, tendo voltado a si, considere o que é em relação ao que existe; que se considere perdido nesse cantão desviado da natureza; e que, desse pequeno cárcere em que se acha instalado, e entendo o universo, aprenda a estimar a terra, os remos, as cidades e a si mesmo segundo o seu justo valor (PASCAL, 1995, p. 142).

Referindo-se aos conhecimentos naturais, o autor reconhece que em extensão, o universo muito supera o homem. Esse “homem não passa de um caniço, o mais fraco da natureza” (PASCAL, 1995, p. 154). Além disso, Pascal têm consciência de que a natureza é muito mais do que apresenta a sua aparência física: “quando se é instruído, compreende-se que a natureza, tendo gravado a sua imagem e a do seu autor em todas as coisas, estas têm quase a sua dupla infinidade” (PASCAL, 1995, p. 143).

Por dupla infinidade, o autor entende os dois extremos da natureza: o infinitamente grande e o infinitamente pequeno. Diante desses infinitos, Pascal procura compreender qual a relação de proporcionalidade existente entre o homem e a natureza. Nessa pesquisa, o filósofo conclui que, na natureza, o homem é

[...] um nada em relação ao infinito, tudo em relação ao nada: um meio entre nada e tudo. Infinitamente afastado de compreender os extremos, o fim das coisas e o seu princípio estão para ele invencivelmente ocultos num segredo impenetrável; igualmente incapaz de ver o nada de onde foi tirado e o infinito que o absorve (PASCAL, 1995, p. 143).

Essa conclusão apresentada pelo autor parece contraditória, mas, segundo Parraz, torna-se compreensível, já que partindo do universo “como referencial para ver o homem, este se torna um nada e, utilizando-se do homem como referencial para ver o infinito em pequenez, ele se torna um todo” (2008, p. 186).
Em suma, a reflexão pascaliana nos apresenta uma “ausência de proporção, isto é, a não igualdade de relações entre o sujeito e a "realidade das coisas” (PARRAZ, 2008, p. 179). Há uma desproporcionalidade do homem com o objeto de seu conhecimento, a natureza, expressa nessa situação mediana em que ele se encontra.

Quando considero a pequena duração de minha vida absorvida na eternidade precedente e seguinte, memoria hospitis unius diei proetereuntis [Na memória do hóspede do dia precedente], o pequeno espaço que encho, e mesmo que vejo abismado na infinita imensidade dos espaços que ignoro, e que tu ignoras, espanto-me e assombro-me ao ver aqui antes que lá, pois não havia razão por que aqui antes que lá, por que agora antes que então! Quem me pôs aqui? Por ordem e conduta de quem este lugar e este tempo me foram destinados? (PASCAL, 1995, p. 149).

Toda essa colocação sobre a situação do homem no universo propõe uma pergunta intrigante: a este homem, que é possível conhecer? A tal questionamento, Pascal responde que “conhecemos, pois, o nosso alcance; somos alguma coisa e não somos tudo” (1995, p. 144).

Sendo a Natureza duplamente infinita e o homem um ser do meio, todo o discurso sobre a Natureza e sobre o homem só pode ser um discurso parcial. Parcial porque, como meio entre o nada e o tudo, ao homem é interditado o conhecimento dos primeiros princípios, primeiras causas: ‘*...+ como uma mesma causa pode produzir vários efeitos diferentes, um mesmo efeito pode ser produzido por várias causas diferentes’ (PASCAL, Oeuvres Completes). Como meio entre meios, ao homem somente é possível um conhecimento aparente das coisas. Como uma interação generalizada, o conhecimento verdadeiro da Natureza e de si próprio deve ser o do todo e de suas partes (PARRAZ, 2008, p. 185).

Essa parcialidade indica limites, não impossibilidade de verdade à capacidade cognitiva humana. Segundo Atali, Pascal

Acha que o mundo é um caos por decifrar, um código a desvendar. Entendeu [que] existem leis dessa desordem, leis do acaso, e que estas nem sempre são lógicas, mas que é possível abordá-las estudando um grande número de casos. Pois compreendeu que há uma ordem no caos do acaso. [...] Compreendeu que o cálculo das probabilidades é o cálculo das ocorrências de um acontecimento particular sobre um número infinito de casos. Daí conclui que existe um elo entre o acaso e o infinito (ATALI Apud SANTOS, 2011, p. 3).

Por isso, Pascal pode assegurar que “toda dignidade do homem está no pensamento” (1995, p. 154) e que por essa capacidade ele se destaca no universo pois acredita que o conhecimento objetivo e demonstrativo da ciência proporciona alcançar muitas verdades objetivas, o próprio Pascal descobriu muitas dessas em seus estudos de física, matemática e geometria, no entanto, na filosofia pascaliana, presencia-se uma dialética que aponta para “+ a insuficiência da razão [o Espírito de geometria] no empenho de buscar um horizonte último que dê sentido a todas as coisas” (SPENGLER, 2004, p. 37) abrindo espaço para uma segunda dimensão do espírito, que autor denomina espírito de finesse, que orientado pelos sentimentos, pelo coração, busca responder os problemas existenciais humanos
.
A dialética pascaliana mostra que alguns princípios, dentre eles Deus, não podem ser tocados pela razão demonstrativa – o espírito de Geometria – mas podem ser sentidos pelo coração. A própria condição do homem só pode ser conhecida pelo espírito de finesse: “não se é miserável sem sentimento. Uma casa em ruínas não o é. Só o homem é miserável” (PASCAL, 1995, p. 153).

Desse modo, [...] a razão adquire assim uma posição particular: de um lado, se empenha na reflexão para a formulação das definições, distinções e organização dos dados recolhidos a partir da experiência externa e científica; do outro lado, pode também ser constantemente despertada para acolher, a partir desta compreensão da finesse, a possibilidade de vislumbrar dimensões novas, de onde a experiência existencial lhe concede sempre de novo a possibilidade de investigar (SPENGLER, 2010, p. 69).

Relembrando o grau de importância que a existência humana possui em Pascal, compreende-se que a pesquisa racional, por si só, torna-se estranha ao homem não lhe alcançando significado. O avanço das verdades científicas não basta, pois “isto não é suficiente para proporcionar ao homem o consolo e a edificação que seu estado o conduz a procurar” (SPENGLER, 2004, p. 35).

Em síntese, afirma Pascal nos Pensamentos,  
[...] vagamos num meio vasto, sempre incertos e flutuantes, impelidos de uma extremidade a outra. Algum termo em que pensássemos ligar-nos e firmar-nos, abala e nos abandona; e, se o seguimos, ele escapa à nossa captura, escorrega-nos e foge com uma fuga eterna. Nada se detém para nós. É o estado que nos é natural e  todavia, o mais contrário à nossa inclinação: queimamos de desejo de  achar assento firme e uma última base constante para nela edificar  uma torre que se eleve ao infinito; mas, todo o nosso fundamento estala e a terra se abre até aos abismos. (1995, p. 145)

No fim, o homem se encontra novamente num paradoxo. Temos a razão, mas não podemos tudo conhecer nem encontrar segurança na natureza. Portanto, a verdadeira reflexão conduz-nos a nossa miséria, nossa insuficiência diante de Deus e do infinito. Não podemos dispor de segurança e firmeza, nem em nossa razão – já que ela “*...+ está sempre caída pela inconstância das aparências; nada pode fixar o finito entre os infinitos que a encerram e a evitam” (PASCAL, 1995, p. 145) – nem na natureza, haja vista a situação de pequenez da condição humana no seu frágil vagar mediano entre os infinitos, sempre incerto e flutuante. Considerando sua situação na natureza, pode-se inferir o estado de angústia em que se encontra o homem.

FONTE: http://revistapandorabrasil.com/revista_pandora/filosofia_34/jandir.pdf
http://www.youtube.com/watch?v=6IgtwxesIwQ

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