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quinta-feira, 12 de novembro de 2020

TERCEIRO DISCURSO SOBRE A CONDIÇÃO DOS GRANDES

 


Terceiro Discurso**

Quero vos fazer conhecer, senhor, vossa verdadeira condição; pois esta é a coisa do mundo que as pessoas de vossa sorte mais ignoram. Que é, em vossa opinião, ser um grande senhor?[1] É ser senhor de vários objetos da concupiscência dos homens, e assim poder satisfazer às necessidades e aos desejos de vários. São essas necessidades e esses desejos que os atraem para perto de vós e que fazem com que eles se submetam a vós: sem isso eles nem sequer vos olhariam; mas eles esperam, por esses serviços e essas deferências que vos rendem, obter de vós qualquer parte desses bens que desejam e os quais vêem que dispondes.

Deus é rodeado por pessoas cheias de caridade, que lhe demandam os bens da caridade que estão em seu poder: assim, ele é propriamente o rei da caridade.

Vós sois do mesmo modo rodeado por um pequeno número de pessoas, sobre as quais reinais de vossa maneira. 

Essas pessoas são cheias de concupiscência. Elas vos solicitam os bens da concupiscência; é a concupiscência que as liga a vós. Sois, portanto, propriamente um rei da concupiscência. 

Vosso reino é pouco extenso; mas nisso sois igual aos maiores reis da terra: eles são, como vós, reis da concupiscência. É a concupiscência que faz a força deles, isto é, a possessão das coisas que a cupidez dos homens deseja. 

Mas, conhecendo vossa condição natural, usai dos meios que ela vos dá, e não pretendei reinar por outra via que por aquela que vos faz um rei. Absolutamente não é vossa força e vosso poder natural que a vós sujeita todas essas pessoas. Portanto, não pretendei, absolutamente, dominá-las pela força, nem as tratar com dureza. Contentai seus justos desejos; satisfazei suas necessidades; tenhai prazer em ser beneficente; adiantai-vos a eles tanto quanto podeis, e agireis como verdadeiro rei da concupiscência. 

O que vos digo não vai muito longe; e se permanecerdes aí, não deixareis de vos perder; mas, pelo menos, vós vos perdereis como honnête homme. Há pessoas que se danam tão tolamente, pela avareza, pela brutalidade, pelos excessos, pela violência, pelos desatinos, pelas blasfêmias! O meio que vos abro é sem dúvida mais honesto; mas em verdade existe sempre uma grande loucura com que se danar; e é por causa disso que não é preciso permanecer aí. É preciso desprezar a concupiscência e seu reino, e aspirar a esse reino de caridade onde todos os sujeitos somente respiram a caridade e somente desejam os bens da caridade. Outros que eu vos dirão o caminho desse reino: basta-me vos ter desviado dessas vias brutais em que vejo que várias pessoas de vossa condição se deixam levar por não conhecer bem o estado verdadeiro dessa condição.



[1] Seigneur: titulação de nobreza, própria do antigo regime. Quem é seigneur, é também maître, mas este último não necessariamente possui um título nobiliário.

Nota:

**No Terceiro Discurso, o mais importante e o mais decisivo dos três, a esfera da política fica inteiramente absorvida pelo reino da concupiscência, enquanto, num mundo perfeito, para o Reino da caridade. nenhum vínculo relaciona a Política com a Religião. Por mais que o regente desse mundo inferior cumpra os seus deveres, obedecendo aos critérios de justiça e necessidade, de bem feitoria e progresso, nada mais alcançará senão uma certa dignidade exterior, uma formalidade, talvez um prestígio merecido... [...] (RUAS, 2003, p. 174). Desta forma, Pascal "admoesta o dignitário a não se deixar levar pela licenciosidade e pelas oportunidades que tem de satisfazer a a todas as suas inclinações por causa de sua posição e de seus bens, esquecendo que sua grandeza deve estar a serviço dos outros e não a serviço de seus próprios caprichos e desregramentos, levando ao desprezo e ao abandono daqueles que lhe são submissos" (SILVA, 2012, p. 125).

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Referencias 

SILVA, Antônio G. da. Pascal: Cientista e Filósofo Místico. – São Paulo: Lafonte, 2012. 151p. (Coleção pensamentos & vida; v, 9).
RUAS, Henrique Barrilardo. Comentários aos três discursos. In. PASCAL, Blaise. do espírito geométrico e da arte de persuadir. Seleção, tradução e notas de H.B.R. Portugal: Editora Elementos Sudoeste, 2003.

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