Blaise Pascal (1623 - 1662)
Trad. Andrei Venturini Martins
[I] (362a) – Senhor, cujo espírito é tão bom e
tão doce em todas as coisas, e que sois tão misericordioso, que não somente as
prosperidades, mas mesmo as desgraças que acontecem com vossos eleitos, são os
efeitos de vossa misericórdia, concedei-me a graça de não agir como pagão no
estado onde vossa justiça me submeteu: que como um verdadeiro Cristão eu vos
reconheça como meu pai e meu Deus, em qualquer estado que me encontre, já que a
mudança da minha condição não causa a vossa, porque vós sois sempre o mesmo,
embora eu esteja sujeito à mudança, e vós não sois menos Deus quando afligis e
punis do que quando consolais e usais de indulgência.
[II] (362ab) – Me destes a santidade para vos
servir, e dela fiz uso totalmente profano. Enviai-me agora a doença para me
corrigir: não permitais que eu use dela para vos irritar com minha impaciência.
Eu usei mal da minha saúde, e por isto me tendes punido justamente. Não
tolereis que eu use mal de vossa punição. E, já que a corrupção da minha
natureza é tal que me torna vossos favores perniciosos, concedei, ó meu Deus,
que vossa graça toda poderosa torne vossos castigos salutares. Se eu tive o
coração pleno de afeição ao mundo enquanto ele teve algum vigor, aniquilai este
vigor para minha salvação, e tornai-me incapaz de desfrutar do mundo, seja por
fraqueza do corpo, seja por zelo da caridade, para somente desfrutar de vós.
[III] (362b-363a) – Ó Deus, diante de quem eu devo
prestar uma conta exata de todas as minhas ações ao fim de minha vida e ao fim
do mundo! Ó Deus, que não deixais subsistir o mundo e todas as coisas do mundo,
senão para exercitar vossos eleitos ou para punir os pecadores! Ó Deus, que
deixais os pecadores endurecidos no uso prazeroso e criminoso do mundo! Ó Deus,
que fazeis morrer nosso corpo e, na hora da morte, desligais nossa alma de tudo
aquilo que ela amava no mundo! Ó Deus, que me arrancais neste momento de minha
vida de todas as coisas às quais me liguei e onde coloquei meu coração! Ó Deus,
que deveis consumar no último dia o céu e a terra, e todas as criaturas que
eles contêm, para mostrar a todos os homens que nada subsiste senão vós, e que
assim nada é digno de amor senão vós, já que nada é durável senão vós! Ó Deus,
que deveis destruir todos estes ídolos vãos e todos estes funestos objetos de
nossas paixões! Eu vos louvo, meu Deus, e vos bendirei todos os dias de minha
vida, porque vos agradou antecipar aquele dia espantoso em meu favor,
destruindo todas as coisas a meu respeito, na fraqueza em que me sujeitastes.
Vos louvo, meu Deus, e vos bendirei todos os dias da minha vida, porque foi de
vosso agrado sujeitar-me à incapacidade de desfrutar das doçuras da saúde e dos
prazeres do mundo, e porque aniquilastes, de alguma forma para meu proveito, os
ídolos enganosos, estes que aniquilareis efetivamente para a confusão dos maus
no dia de vossa cólera. Concedei Senhor, que eu julgue a mim mesmo depois desta
destruição que promoveste a meu respeito, a fim de que não me julgueis vós
mesmo depois da total destruição que fareis da minha vida e do mundo. Porque,
Senhor, dado que no instante de minha morte me encontrarei separado do mundo,
desnudado de todas as coisas, somente em vossa presença, para responder à vossa
justiça por todos os movimentos do meu coração, concedei que eu me considere
nesta doença como em uma espécie de morte, separado do mundo, desnudado de
todos os objetos de meus apegos, somente em vossa presença, para implorar de
vossa misericórdia a conversão de meu coração; e que assim eu tenha um consolo
extremo disto que vós me enviais agora, uma espécie de morte para exercer vossa
misericórdia, antes que vós me envieis efetivamente a morte para exercer vosso
julgamento. Concedei, portanto, ó meu Deus, que do mesmo modo que antecipastes
minha morte, que eu antecipe o rigor de vossa sentença, e examine a mim mesmo
antes de vosso julgamento, para encontrar misericórdia em vossa presença.
[IV] (363ab) – Concedei, ó meu Deus, que eu adore
em silêncio a ordem de vossa providência adorável sobre a conduta da minha
vida; que vosso flagelo me console e, tendo vivido no amargor de meus pecados
durante a paz, que eu saboreie as doçuras celestes de vossa graça durante os
males salutares com que vós me afligis. Porém eu reconheço, meu Deus, que meu
coração está tão endurecido e cheio de ideias, de preocupações, de inquietudes
e de apegos do mundo, que a doença não mais que a saúde, nem os discursos, nem
os livros, nem vossas Escrituras sagradas, nem vosso Evangelho, nem vossos
mistérios mais santos, nem as esmolas, nem os jejuns, nem as mortificações, nem
os milagres, nem o uso dos Sacramentos, nem o sacrifício de vosso Corpo, nem
todos meus esforços, nem aqueles de todo o mundo conjuntamente, não podem fazer
absolutamente nada para começar minha conversão, se vós não acompanhais todas
estas coisas de uma assistência totalmente extraordinária de vossa graça. É por
este motivo, meu Deus, que eu me dirijo a vós, Deus todo poderoso, para vos
pedir um dom que todas as criaturas conjuntamente não podem me conceder. Eu não
teria a ousadia de vos dirigir meus gritos, se qualquer outro pudesse atendê-los.
Porém, meu Deus, como a conversão do meu coração, a qual vos peço, é uma obra
que ultrapassa todos os esforços da natureza, não posso me dirigir senão ao
autor e mestre todo poderoso da natureza e do meu coração. A quem gritarei,
Senhor, a quem recorrerei, se não for a vós? Tudo aquilo que não é Deus não
pode preencher minha expectativa. É o próprio Deus que eu peço e procuro, e é a
vós somente, meu Deus, para quem me dirijo para vos obter. Abri meu coração,
Senhor, entrai neste lugar rebelde que os vícios ocuparam. Eles o mantêm
submisso; entrai nele como em uma casa forte; porém, amarrai, inicialmente, o
forte e potente inimigo que a domina e tomai em seguida os tesouros que nela
estão. Senhor, tomai minhas afeições que o mundo tinha roubado; roubai vós
mesmo este tesouro, ou melhor, retomai-o, já que é a vós que ele pertence, como
um tributo que eu vos devo, já que vossa imagem está impressa no tesouro. Vós
nele tínheis a sua imagem modelada, Senhor, no momento de meu batismo que é meu
segundo nascimento, mas ela está totalmente apagada. A ideia do mundo está tão
gravada neste tesouro que a vossa não é mais cognoscível. Só vós pudestes criar
minha alma: só vós podeis criá-la de novo. Só vós pudestes modelar vossa imagem
nela: só vós podeis modelá-la de novo e nela reimprimir vosso retrato apagado,
isto é, Jesus Cristo meu Salvador, que é vossa imagem e o carácter de vossa
substância.
[V] (363b) – Ó meu Deus, um coração é feliz
quando pode amar um objeto tão encantador que não o desonre de modo algum e
cujo apego lhe seja tão salutar! Sinto que eu não posso amar o mundo sem vos
desagradar, sem me prejudicar e sem me desonrar e, entretanto, o mundo é objeto
de minhas delícias. Ó meu Deus, uma alma é feliz quando vós sois as delícias,
já que ela pode abandonar-se para vos amar, não somente sem escrúpulo, mas
ainda com mérito! A felicidade da alma é firme e durável, já que sua espera não
será frustrada de modo algum, porque vós não sereis destruído jamais, e nem a
vida, nem a morte, jamais separarão a felicidade do objeto de suas delícias; ao
mesmo tempo, [vós sois aquele] que arrastará os maus com seus ídolos dentro de
uma ruína comum, unirá os justos convosco em uma glória comum; e do mesmo modo
que uns perecerão com os objetos perecíveis aos quais estão apegados, outros
subsistirão eternamente no objeto eterno e subsistente por si mesmo ao qual
estão estreitamente unidos. Oh! Que felicidade estão aqueles que com uma
liberdade total e uma inclinação invencível de sua vontade amam perfeitamente e
livremente aquele que eles são obrigados a amar necessariamente!
[VI] (363b) – Completai, ó meu Deus, os bons
movimentos que vós me dais. Sede o fim deles como sois o princípio. Coroai
vossos próprios dons, porque eu reconheço que estes são vossos dons. Sim, meu
Deus, e bem longe de pretender que minhas preces tenham mérito que vos obrigue
a concedê-las necessariamente, reconheço humildemente que, eu, tendo voltado às
criaturas meu coração, que vós não tínheis moldado senão para vós, e não para o
mundo, nem para mim mesmo, não posso esperar nenhuma graça senão de vossa
misericórdia, já que não tenho nada em mim que possa obrigá-lo a isto [a
concedê-la], e todos os movimentos naturais do meu coração, encaminhando-se em
direção às criaturas ou a mim mesmo, só podem vos irritar. Portanto, vos
agradeço, meu Deus, pelos bons movimentos que me dais, e mesmo por este que me
dais, de poder agradecê-Lo.
[VII] (363b-363a) – Tocai meu coração para o
arrependimento de minhas faltas, já que, sem esta dor interior, os males
exteriores, pelos quais tocais meu corpo, serão uma nova ocasião de pecado.
Concedei-me conhecer bem que os males do corpo não são outra coisa senão a
punição e a figura conjunta de todos os males da alma. Porém Senhor, concedei
também que eles [os males do corpo] sejam o remédio da alma, me fazendo
considerar, nas dores que sinto, aquela que não sentia em minha alma, embora
toda doente e coberta de úlceras, já que, Senhor, a maior das doenças da alma é
a insensibilidade e aquela extrema fraqueza que havia retirado dela [da alma]
todo sentimento de suas próprias misérias. Fazei-me senti-las [as misérias]
vivamente, e que a vida que me resta seja uma penitência contínua para lavar as
ofensas que cometi.
[VIII] (364a) – Senhor, embora minha vida passada
tenha sido isenta de grandes crimes, de cujas ocasiões vós me distanciastes,
ela foi para vós, entretanto, muito odiosa pela negligência contínua, pelo mal
uso de vossos mais augustos sacramentos, pelo desprezo de vossas palavras e de
vossas inspirações, pela ociosidade e a inutilidade total de minhas ações e de
meus pensamentos, pela perda de todo tempo que vós não me tínheis dado senão
para vos adorar, para procurar em todas as minhas ocupações os meios de vos
agradar, e para fazer penitência pelas faltas que se cometem todos os dias, e
que são ordinárias mesmo para os mais justos, de maneira que a vida deva ser
uma penitência contínua sem a qual estamos em perigo de decair de sua justiça.
Desta maneira, meu Deus, sempre fui contrário a vós.
[IX] (364a) – Sim, Senhor, até aqui sempre fui
surdo às vossas inspirações: desprezei vossos oráculos, julguei de forma
contrária àquela com a qual vós julgais, eu contradisse as santas máximas as
quais vós trouxestes ao mundo desde o seio de vosso Pai eterno, e segundo as
quais julgareis o mundo. Dissestes: “Bem-aventurados são aqueles que choram, e
desgraçados aqueles que são consolados”. E eu disse: “Desgraçados aqueles que
gemem, e felizes aqueles que são consolados”. Eu disse: “Felizes aqueles que
gozam de uma vantajosa fortuna, de uma reputação gloriosa e de uma saúde
robusta”. E por que os reputei felizes, senão porque todas estas vantagens lhes
forneciam uma facilidade muito ampla de desfrutar das criaturas, isto é, de vos
ofender? Sim, Senhor, confesso que estimei a saúde um bem, não porque ela é um
meio fácil de servir-vos com utilidade e para consumar mais cuidados e vigílias
a vosso serviço, nem para a assistência do próximo, mas porque, a favor dela
[saúde] eu podia abandonar-me com menos comedimento na abundância das delícias
da vida e melhor desfrutar dos seus funestos prazeres. Concedei-me a graça,
Senhor, de reformar minha razão corrompida e de conformar meus sentimentos aos
vossos. Que eu me estime feliz na aflição e que, na impotência de agir
exteriormente, purifiqueis de tal forma meus sentimentos que eles não repugnem
mais aos vossos, e que assim vos encontre dentro de mim, já que não posso
procurar-vos fora por causa de minha fraqueza. Porém, Senhor, vosso Reinado
está em vossos fiéis, e o encontrarei dentro de mim, se nele eu encontro vosso
Espírito e vossos sentimentos.
[X] (364ab) – Porém, Senhor, que farei para vos
agradecer por difundir vosso Espírito sobre esta miserável terra? Tudo aquilo
que sou vos é odioso e não encontro nada em mim que vos possa agradar. Eu não
vejo nada em mim [que vos possa agradar], Senhor, só minhas dores que têm
alguma semelhança com as vossas. Portanto, considerai os males que sofro e
aqueles que me ameaçam. Vede com um olho de misericórdia os flagelos que vossa
mão me tem feito, ó meu Salvador, que amastes vossos sofrimentos até a morte! Ó
Deus, que não vos fizestes homem senão para sofrer mais que qualquer homem para
salvação dos homens! Ó Deus, que não vos encarnastes depois do pecado dos
homens e que não tomastes um corpo senão para sofrer nele todos os males que
nossos pecados mereceram! Ó Deus, que amais tanto os corpos que sofrem, que
escolhestes para vós o corpo mais devastado de sofrimento que jamais tinha
estado no mundo! Tende [como] agradável meu corpo, não por ele mesmo, nem por
tudo aquilo que ele contém, pois tudo nele é digno de vossa cólera, mas pelos
males que ele suporta, que só podem ser dignos de vosso amor. Amai meus
sofrimentos, Senhor, e que meus males vos convidem a me visitar. Porém, para
concluir a preparação de vossa morada, concedei, ó meu Salvador, que se meu
corpo tem isto [os sofrimentos] em comum com o vosso, que ele sofra por minhas
ofensas, e que se minha alma tenha também isto em comum com a vossa, que ela
esteja na tristeza pelas mesmas ofensas; e que assim eu sofra convosco, e como
vós, no meu corpo e na minha alma, pelos pecados que cometi.
[XI] (364b) – Senhor, concedei-me a graça de
acrescentar vossas consolações aos meus sofrimentos, a fim de que eu sofra como
Cristão. Não peço para ser isento das dores, pois esta é a recompensa dos
santos: mas peço para não ser abandonado às dores da natureza sem as
consolações do vosso Espírito, pois esta é a maldição dos Judeus e dos Pagãos.
Não peço para ter uma consolação plena sem nenhum sofrimento, pois esta é a
vida na glória. Não peço também para estar na plenitude dos males, sem
consolação, pois este é um estado do Judaísmo. Mas peço, Senhor, de sentir
conjuntamente as dores da natureza por meus pecados e as consolações de vosso
Espírito por vossa graça, pois este é o verdadeiro estado do Cristianismo. Que
eu não sinta as dores sem consolação, mas que sinta dores e consolo ao mesmo
tempo, para chegar, enfim, a não sentir mais senão vosso consolo sem nenhuma
dor. Porém, Senhor, tendes deixado esmorecer o mundo nos sofrimentos naturais
sem consolação antes da vinda do vosso Filho único; agora vós consolais e
aliviais os sofrimentos de vossos fiéis pela graça de vosso Filho único; e
[enfim] preencheis com uma beatitude totalmente pura vossos santos na glória de
vosso Filho único. Estes são os admiráveis degraus pelos quais conduzis vossas
obras. Me tirastes do primeiro: concedei-me passar pelo segundo, para chegar ao
terceiro. Senhor, é a graça que vos peço.
[XII] (364b-365a) – Não permitais que eu esteja em tal
distanciamento de vós, que possa considerar vossa alma triste até a morte e
vosso corpo abatido pela morte por meus próprios pecados, sem me alegrar de
sofrer tanto no meu corpo quanto na minha alma. Pois, que há de mais vergonhoso
e, entretanto, de mais comum nos Cristãos e em mim mesmo que, enquanto vós
suais sangue para a expiação de nossas ofensas, vivemos nas delícias [?]; e que
Cristãos fazem voto de estar convosco, senão aqueles que pelo batismo
renunciaram o mundo para vos servir, senão aqueles que juraram solenemente, à
frente da Igreja, de viver e de morrer convosco, senão aqueles que fazem voto
de acreditar que o mundo vos perseguiu e crucificou, senão aqueles que
acreditam que vós vos expusestes à cólera de Deus e à crueldade dos homens para
remi-los de seus crimes [?] – só estes, digo, que creem em todas estas
verdades, que consideram Vosso corpo como a hóstia que se entregou para
salvação deles, que consideram os prazeres e os pecados do mundo como o único
motivo dos Vossos sofrimentos, e o mundo mesmo como Vosso carrasco, procuram,
para lisonjear seu corpo, estes mesmos prazeres, em meio a este mesmo mundo –; e
como estes, que não poderiam, sem fremir de horror, ver um homem acariciar e
querer bem o assassino de seu pai que se entregaria para dar a vida a ele [ao
filho], podem viver como eu fiz, com plena alegria, entre o mundo que sei ter
sido verdadeiramente o assassino daquele que reconheço por meu Deus e meu Pai,
que se entregou para minha própria salvação e que carregou em sua pessoa a pena
de minhas iniquidades? É justo, Senhor, que tenhais interrompido uma alegria
tão criminosa como aquela na qual eu repousava na sombra da morte.
[XIII] (365ab) – Portanto, retirai de mim, Senhor, a
tristeza, que o amor por mim me poderia dar, dos meus próprios sofrimentos, e
pelas coisas do mundo, que não alcançam a medida das inclinações de meu coração
e não atentam à vossa glória, porém, colocai em mim uma tristeza conforme à
vossa. Que meus sofrimentos sirvam para apaziguar vossa cólera. Concedei nisto
uma ocasião para minha salvação e para minha conversão. Que, de hoje em diante,
eu não deseje saúde e vida senão a fim de empregá-las e dá-las a vós, convosco
e em vós. Não vos peço nem saúde, nem doença, nem vida, nem morte, mas que vós
disponhais de minha saúde e de minha doença, de minha vida e de minha morte,
para vossa glória, para minha salvação e para a utilidade da Igreja e de vossos
santos, dos quais espero por vossa graça fazer parte. Só vós sabeis aquilo que
me é conveniente: sóis o soberano mestre, concedei aquilo que quiserdes.
Dai-me, retirai-me, mas conformai a minha vontade à vossa; e que, em uma
submissão humilde e perfeita, e em uma santa confiança, me disponho a receber
as ordens de vossa providência eterna, e que eu adore igualmente tudo aquilo
que me vem de vós.
[XIV] (365b) – Meu Deus, concedei que, em uma
uniformidade de espírito sempre igual, eu receba todas as formas de
acontecimentos, já que nós não sabemos aquilo que devemos pedir, e que, por
este motivo, não posso desejar um [acontecimento] antes do outro sem presunção,
e sem me tornar juiz e responsável das consequências que vossa sabedoria quis
justamente me esconder. Senhor, sei que eu só sei uma coisa: que é bom vos
seguir e que é mal vos ofender. Depois disso, não sei o que é o melhor ou o
pior em todas as coisas. Não sei o que me é proveitoso da saúde ou da doença,
dos bens ou da pobreza, nem de todas as coisas do mundo. É um discernimento que
ultrapassa a força dos homens e dos anjos, e que está escondido nos segredos de
vossa providência que adoro e que não quero aprofundar.
[XV] (365b) – Portanto, concedei Senhor, que tal
como eu seja, que me conforme à vossa vontade; e que, estando doente como
estou, vos glorifique nos meus sofrimentos. Sem eles não posso chegar à glória;
e mesmo vós, meu Salvador, nela [à glória] não tendes querido chegar senão por
eles [sofrimentos]. É pelas marcas de vossos sofrimentos que vós fostes
reconhecido por vossos discípulos, e é também pelos sofrimentos que vós
reconheceis aqueles que são vossos discípulos. Reconhecei-me então como vosso
discípulo nos males que eu suporto tanto no meu corpo quanto no meu espírito
pelas ofensas que cometi. E, já que nada é agradável a Deus se não lhe for
oferecido por vós, uni minha vontade à vossa, e minhas dores àquelas que tendes
sofrido. Concedei que as minhas tornem-se as vossas. Uni-me a vós; preenchei-me
de vós e do vosso Espírito Santo. Entrai no meu coração e na minha alma para
ali sofrer meus sofrimentos e para continuar a suportar em mim aquilo que vos
resta sofrer em vossa Paixão, que vós findais em vossos membros até a
consumação perfeita do vosso Corpo, a fim de que, estando pleno de vós, que não
seja mais eu quem viva e quem sofra, mas que seja vós que vivais e sofrais em
mim, ó meu Salvador: e que assim, tendo uma pequena parte dos vossos
sofrimentos, vós me preenchais inteiramente da glória que eles vos
condescenderam, na qual viveis com o Pai e o Santo Espírito, por todos os
séculos dos séculos. Amém!
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MARTINS, Andrei Venturini. Prece para pedir a deus o bom uso
das doenças. Revista Último Andar (ISSN 1980-8305), n. 26, 2015. Clique aqui: