Os
Deuses estavam entediados, por isso, criaram o homem. Adão ficou entediado por
estar só; por isso, Eva foi criada. Desde então o tédio penetrou no mundo e
cresceu em proporção exata ao do crescimento da população.
Kierkegaard
Por: Arlindo Nascimento Rocha[1]
De acordo com o autor da obra Filosofia do tédio, (publicada inicialmente
em 1999), Lars Svendsen, professor do Departamento de Filosofia da Universidade
de Bergen, na Noruega, o problema do tédio é uma das grandes questões, e sua
análise deveria revelar algo importante sobre as condições em que vivemos
atualmente. Por ter sentido na pele as mazelas do tédio por algum tempo, fez
com que seu interesse aumentasse sua curiosidade, já que o tédio também é um
problema filosófico. Então, partindo de uma experiência vivida, passou a
investigar a visão de alguns pensadores que refletiram profundamente sobre o
assunto, tendo posteriormente chegado a conclusão que, encontramos em grandes
filósofos pensamentos brilhantes quanto ao tema. O tédio, segundo nosso autor é
uma experiência existencial fundamental, pois, o homem é abandonado a si
próprio, e dessa forma, aqueles que enfrentam o próprio tédio conhecem-se melhor
a si mesmos do que os que fogem buscando diversões. Diante deste cenário
parafraseamos Jon Hellesnes: o que pode ser mais existencialmente perturbador
que o tédio?
Quase todos que falaram e falam sobre
esse tema, consideram-no como um mal existencial. Schopenhauer o descreve como,
anseio insípido sem nenhum objeto particular; para Kafka, era como se tudo o
que ele possuísse lhe tivesse deixado; Moravia diz que o tédio é como uma
doença das próprias coisas, que faz toda a vitalidade murchar e morrer; Garborg,
o classifica como um frio mental; Dostoievski descreve o tédio como aflição
indefinível; para Fernando Pessoa, o tédio é tão radical que não pode ser
superado sequer pelo suicídio; Kierkegaard ousa afirmar que, os deuses estavam
entediados, por isso, criou Adão, que ficou entediado por estar só, por isso,
Eva foi criada. Desde então o tédio penetrou no mundo e cresceu em proporção
exata ao do crescimento da população; e, para Nietzsche, até os deuses lutavam
em vão contra o tédio. Ao contrário desses dois últimos autores, Svendsen
acredita que o tédio, é um fenômeno recente, e que no paraíso o tédio não teria
tido lugar, uma vez que, o espaço estava preenchido por Deus;
Através da passagem anterior, pudemos
observar que várias mentes brilhantes, possivelmente atormentados pelo tédio,
tentaram definir o que para eles seria uma explicação para o mesmo. Porém, para
Svendsen, uma das mentes mais cintilantes que refletiu sobre o assunto, foi Blaise
Pascal, filósofo do século XVII, que associa o tédio a problemática teológica.
Ele é de opinião que o homem sem Deus está condenado à diversão, e, nesse
aspeto a vida do homem torna-se uma fuga da vida, que, sem Deus, é
fundamentalmente um nada. Por isso, toda a tentativa de escapar do tédio
através das diversões, é sinónimo da fuga da realidade, assim, Pascal afirma
que nada é mais insuportável para o homem quanto estar no estado de pleno
repouso, sem paixões, sem ocupações, sem diversão, sem esforço.
Segundo nosso autor, outro brilhante
filósofo que aborda este tema é Kant. Ele trata do tédio no contexto da
filosofia moral, e, segundo o mesmo, o tédio estava ligado ao desenvolvimento
cultural. Para ele, no tédio, o homem é tomado por uma abominação ou náusea
diante da sua própria existência, por isso, para ele um bom argumento para as
diversões baratas é o momento mori -
lembra-te que vais morrer!
Para Svendsen, as reflexões de Kant,
sobre o tédio são uma clara antecipação da teoria de Thomas Mann, que faz uma
descrição fenomenológica do tédio, e sugere que a cura é mudar frequentemente
os hábitos, uma vez que segundo ele, novos hábitos são as únicas formas de
animar nossa vida. Por outro lado, Svendsen alerta que a problemática descrita
por Mann, já havia sido defendido antes por Kierkegaard, que exageradamente
afirma que o tédio é a raiz de todo mal. Ele descreve o tédio como um panteísmo
demoníaco e afirma que não conhece expressão mais forte, mais verdadeira, pois,
somente o semelhante conhece o semelhante. Segundo Kierkegaard, a sensação de
tédio é para o homem refinado, uma vez que pressupõe um elemento de
autorreflexão ou de contemplação no tocante à nossa própria situação no mundo.
Essa ideia é corroborada por Leopardi, que afirma que o tédio é reservado às
almas nobres, e que, a multidão, pode na melhor das hipóteses, sofrer de
simples ociosidade. Essa atitude elitista do tédio, encontraremos também em
Nietzsche que abordarmos mais a frente.
Já em Schopenhauer, segundo Svendsen o
homem pode escolher em geral, entre sofrimento e tédio, uma vez que a vida
oscila entre o sofrimento e o tédio, por isso, se o homem consegue interromper
o tédio, o sofrimento retornará, portanto, o homem quando não sabe mais o que
fazer sucumbe ao tédio. Assim quando as metas não são alcançadas, o resultado é
o sofrimento; quando são, o resultado é o tédio, por isso, na falta de
satisfação no mundo real, o homem cria um imaginário, dando origem assim, as
várias religiões como tentativa de escapar do tédio.
Para Nietzsche, segundo nosso autor
afirma, o tédio é a desagradável calma da alma que precede aos atos criativos e
afirma que ele é o próprio hábito do trabalho, que agora se faz sentir sob a
forma de uma necessidade nova e adicional, ele será tanto mais forte quanto
mais forte for o desejo de trabalhar. Para escapar do tédio o homem ou trabalha
além da medida das suas necessidades, ou inventa o jogo. Mas ao enfastiar do
jogo e não tem nenhuma necessidade de trabalhar, é atacado pelo anseio de um
terceiro estado.
Para finalizar, essa pequena exposição
sobre o tédio, usaremos a classificação proposta por Milan Kundera, que,
segundo o mesmo o tédio pode ser classificado três tipologias: 1) o tédio
passivo (quando alguém boceja); 2) o tédio ativo (quando alguém se dedica a um hobby); e, o tédio rebelde (quando um
jovem quebra vitrines de uma loja), tipologias essas muito presentes em nossa
sociedade atual. E, para responder nossa questão inicial: O que pode ser mais
existencialmente perturbador que o tédio, não é tão complicado como parece! Acredito
que, a resposta é simples e objetiva, NADA, ou seja, o tédio é um das piores
males da humanidade.
Referência:
SVENDSEN, Lars. Filosofia do tédio. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2006.
SVENDSEN, Lars. Filosofia do tédio. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2006.
[1]
Mestre em Ciência da Religião na
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – SP; Pós Graduado (lato senso)
em Administração, Supervisão e Orientação Pedagógica e Educacional na
Universidade Católica de Petrópolis – RJ; Licenciado em Filosofia para docência
na Universidade Pública de Cabo Verde; Curso de Formação de Professores do Ensino
Básico Integrado pelo Instituto Pedagógico do Mindelo – Cabo Verde. E-mail: arlindonascimentorocha@gmail.com.