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segunda-feira, 12 de junho de 2017

BLAISE PASCAL:

Desejo e divertimento como fuga se si mesmo na antropologia pascaliana


Arlindo Nascimento Rocha[1]




Resumo

Este artigo tem como objetivo trazer à tona e refletir sobre os conceitos pascalianos de desejo e divertimento como categorias antropológicas, que nos ajuda a entender melhor a necessidade (desejo) e a busca permanente pela agitação (divertimento) como marcas do desvio da nossa condição insustentável. Pascal interpreta o divertimento como manobras para desviar o pensamento das nossas misérias existenciais, das nossas múltiplas insuficiências, da nossa incapacidade de nos manter em repouso, mas também podemos interpretá-lo como sendo uma condição essencial do homem que impede o acesso ao momento e à eternidade. Portanto, se há um conceito que Blaise Pascal reinventou de forma original, é o divertimento, visto como todos os estratagemas usados pelo homem visando à fuga de si mesmo. Esta condição de insatisfação dos nossos desejos e da eterna procura pelo divertimento é precisamente a contingência da nossa existência inautêntica e miserável.

Palavras-chave: desejo; divertimento; misérias existenciais; condição insustentável; insatisfação.



___________________________
[1] Artigo submetido em 02/02/2017. Aprovado em 07/03/2017. 1 Mestrando em Ciência da Religião, Pós-Graduado em Administração, Supervisão e Orientação Pedagógica, Licenciado em Filosofia. arlindonascimentorocha@gmail.com

[ISSN 2317-0476] Diversidade Religiosa, João Pessoa, v. 7, n. 1, p. 241-259, 2017

quinta-feira, 8 de junho de 2017

A condição humana no cristianismo pascaliano: o paradoxo entre grandeza e miséria

COLÓQUIO PASCAL USP – 07/06/2017


Nome: Arlindo Nascimento Rocha
Nível acadêmico: Mestre em Ciência da Religião pela PUC-SP
Dissertação: Paradoxos da Condição Humana: Grandeza e miséria como paradoxo fundamental na filosofia da Blaise Pascal. 
Orientador da dissertação: Luís Felpe Pondé


TÍTULO DA APRESENTAÇÃO

A condição humana no cristianismo pascaliano:

o paradoxo entre grandeza e miséria


OBS: Este artigo publicado na “Revista Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento”, em abril de 2017, no seguinte endereço eletrônico:

                                                         RESUMO

Blaise Pascal (1623-1662) pensador francês, considerado gênio da ciência, matemático, físico, filósofo, teólogo, pai da computação digital, da física experimental, do cálculo integral e diferencial, da geometria projetiva, gênio da literatura universal, defensor do cristianismo, polemista tentado pela reclusão, mas, muitas vezes obscurecido pela lenda.

Como pensador, seus escritos teológicos e filosóficos são contagiantes, uma vez que, desenvolveu uma influente leitura da condição humana em sua época. Nessa apresentação, analisarei os conceitos de grandeza e miséria como argumento antropológico em Pascal que, segundo Robert Velard: “Começa com uma observação simples: os seres humanos exibem qualidades de grandeza e miséria”.


A obra de Pascal é construída sobre o paradoxo do homem: Grandeza e miséria, razão-coração; finito-infinito, tempo-eternidade, carne-espírito. Pascal afirma que, “fonte de todas as heresias é não conhecer o acordo de duas verdades opostas”. Ao refletir sobre o paradoxo entre grandeza e miséria, no fragmento “Laf. 114; Bru. 397”, Pascal nos mostra uma dialética entre esses dois conceitos que caracterizam antropologicamente a natureza humana, através da seguinte passagem: “a grandeza do homem é grande por ele conhecer-se miserável [...] É então ser miserável conhecer (-se) miserável, mas é ser grande conhecer que se é miserável”.

Segundo Alain Couprie, “Pascal não descreve a miséria do homem por misantropia ou pelo ódio de seus conterrâneos”. Essa dialética que Pascal articula exprime a situação dramática do homem no limiar dos tempos modernos. [...] Todavia, é preciso ressaltar que a grandeza do homem em Pascal não se confunde com a riqueza, a glória ou o exercício de altos cargos. Para ele, essas são “grandezas de estabelecimento” resultantes de um acidente de nascimento ou de instituições políticas e sociais. Eles não constituem nenhum caso de grandeza real, uma vez que, a verdadeira grandeza se funda na dignidade do homem.

De acordo com Robert Velarde: 
O argumento antropológico de Pascal começa com uma observação simples: os seres humanos exibem qualidades ou traços de grandeza e miséria. Tal argumento é atraente em um ambiente contemporâneo, porque começa com uma observação da natureza humana, em vez de um argumento direto à existência de Deus, a confiabilidade na Bíblia, a validade da crença na ressurreição. 

Esse argumento apenas pretende iniciar a discussão sobre a natureza da condição humana. Segundo Bem Rogers: a dialética de Pascal alerta o interlocutor agnóstico para dois elementos da condição humana em geral, e para sua dificuldade em particular:
Procura mostrar que ninguém, baseando-se apenas em meios humanos, é capaz de entender a confusa mistura de baixas qualidades e alto potencial presente no homem (maços 2-7);
Apesar da evidente capacidade para a felicidade, o homem é naturalmente miserável e nada que os filósofos foram capazes de sugerir pode aliviar essa miséria (maços 8-10).
Pascal pinta um quadro absolutamente trágico da condição paradoxal do homem, questionando sua verdadeira essência nas seguintes palavras:

Que tipo de quimera é então o homem? Que novidade, que monstro, que caos, que fonte de contradições, que prodígio? Juiz de todas as coisas, verme imbecil, depositário da verdade, cloaca de incerteza e de erro, glória e rebotalho do universo.
É visível que o homem vive uma situação paradoxal marcada por traços de grandeza e miséria. No entanto, o homem recusa-se a ver a verdade da sua condição e vive disfarçando, forjando para si uma máscara que esconda a sua miséria. Miséria essa, que marca o homem com o selo da discórdia, interna e externa.
 No plano interno, ela reflete-se na luta entre a razão e as paixões;No plano externo entre o homem e a natureza.Ou seja; O sujeito pascaliano vive eternamente em conflito consigo mesmo.
O paradoxo entre grandeza e miséria, é a nosso ver, o cerne da antropologia pascaliana, uma vez que, assinala duas naturezas antagônicas, porém inseparáveis.  Ou seja, o homem é um misto de misérias e de grandezas, e, naturalmente, entre essas duas dimensões existe uma relação de alteridade.
De acordo com, Jean Mesnard, a noção de miséria pode ter alternativas como: mesquinhez e fraqueza, ideia essa, encontrada em Santo Agostinho. Mas, as duas noções que Pascal desenvolve juntas, a saber: Primeira: a grandeza, que Epiteto pretendia realizar unicamente pela força do homem, e; Segunda: a miséria, que Montaigne pretendia acomodar numa posição de orgulho e de preguiça, são na realidade dois momentos compreensíveis somente na perspectiva cristã [...] Segundo Humberto Rohden “entre os dois está o cristianismo, que não [super-humaniza] nem [infra-humaniza] o homem, [...] O homem era grande antes da queda, mas ele é miserável sem Deus. Sua salvação depende da graça de Deus”.
Para Pascal a grandeza do homem vem de sua origem divina, e sua esperança de salvação é sustentada pela redenção de Jesus Cristo, sem a qual o conhecimento de Deus seria inútil para o homem. Ainda segundo Pascal, “o homem não é nem anjo nem animal”, por isso:
É perigoso mostrar-lhe o quanto é igual aos animais sem lhe mostrar sua grandeza. É também perigoso mostrar-lhe sua grandeza sem a sua miséria. É mais perigoso ainda deixá-lo ignorar uma e outra coisa, mas é vantajosíssimo apresentar-lhe uma e outra.
 Por isso, Pascal nos mostra como fazer isso no fragmento “Laf. 130; Bru. 420” da seguinte forma “se ele se gaba, eu o rebaixo. Se ele se rebaixa, eu o gabo. E o contradigo sempre. Até que ele compreenda que é um mostro incompreensível”.

É importante assinalar que, segundo nos relata Kreeft, as duas heresias humanas fundamentais são o ‘animalismo’ e o ‘angelismo’. Ou seja, “o homem tem uma existência paradoxal: grandeza miserável, animal racional, espírito mortal, caniço pensante”.

Existem três paradoxos no fragmento, que devem ser distinguidos;
1º metafisicamente, o homem é sujeito e objeto. Um objeto pequeno e fraco, como um caniço. Mas ele é também sujeito: mente e espírito, pensamento e consciência, ou seja, uma folha de grama que filosofa;
2º psicologicamente o homem é grande e miserável, exaltado e rebaixado; e,
3º moralmente o homem é mau e bom, capaz do inferno ou do paraíso [...].

Nessas três vias, o homem é instável, sua natureza é dupla (corpo e espírito), sua consciência é dupla (exaltado e rebaixado) e a sua potencialidade é dupla (inferno ou paraíso).
O paradoxo entre grandeza e miséria nos leva a refletir sobre a verdadeira situação do homem e a formular algumas interrogações pertinentes:
De que forma podemos perceber a miséria e a grandeza no homem contemporâneo?
O conhecimento desse paradoxo muda efetivamente a forma de pensar do homem?
Certamente, a humanidade diante de tantas calamidades, sofrimentos, perdas e corrupção já está num estágio de entorpecimento, e, a única saída, é a fuga de si mesmo. Todo homem está à procura da felicidade, porém essa vem sendo buscada de maneira egoísta e envaidecida. Contudo, na via pascaliana, a grandeza deve associar-se à miséria humana pela reflexão, uma vez que, segundo André Soarès “a mediocridade, que mantém o mundo, é a mesma vaidade que salva os homens”.
Pascal acreditava que só a religião cristã é que explica justamente a natureza do homem. O homem é tanto mísero como grande. Muitas religiões reconhecem a grandeza do homem, mas não conseguem ver a sua miséria e vice versa.

Exemplos: 
 O movimento da Nova Era; o homem é Deus e o pecado é uma ilusão;
Os humanistas seculares consideraram o homem um animal; 
Os behavioristas vêm o homem como uma máquina.  
Portanto, só o cristianismo vê o homem pelo que ele realmente é; o homem é miserável e grande.
Na formulação do paradoxo, Pascal, teve como precursores dois filósofos: Epiteto e Montaigne, cada um representando uma corrente filosófica diferente, o Estoicismo e o Ceticismo, cada uma, apresentando uma análise unilateral do homem. Esses dois filósofos, influenciaram o pensamento de Pascal na elaboração do conceito de homem paradoxal, cindido entre miséria e grandeza. Segundo Peter Kreeft, ao filósofos não deveriam ser divididos em “otimistas” e “pessimistas” ou em filósofos da grandeza humana e filósofos da miséria humana, mas em “paradoxicalists” e “nonparadoxicalists”.
Paradoxicalists são filósofos como Pascal que tem uma visão aberta o suficiente para ver profundamente em ambas as direções ao mesmo tempo. (Paulo, Agostinho, Pascal, Kierkegaard e Dostoiévski são verdadeiros paradoxicalists);
Muitos filósofos ao contrário são unidimensionais, ou seja, nomparadoxicalists porque eles cobrem um dos olhos ao analisarem o homem. Eles são otimistas ou pessimistas, racionais ou empiristas, espiritualistas ou materialistas.
A influência de Epiteto e de Montaigne fica clara na conversa com o Senhor da Sacy, onde Pascal apresenta de forma sistemática ser conhecedor dessas duas posições, cujo objetivo era mostrar que nenhuma análise unilateral do homem é capaz de explicar sua verdadeira condição.
Em Pascal, como vimos o homem é um composto integrado de miséria e grandeza, portanto, nem Epiteto, nem Montaigne estavam certos ao defenderem suas teses, uma vez que, a verdadeira condição do homem, está na conjugação das duas posições.
Atualmente, não é difícil enxergar que o homem se revela ao mundo apresentando traços de grandeza, e traços de infinitas misérias, fruto da ruptura com o seu Criador. Mas, segundo Pascal, Cristo voltará um dia para trazer à história humana, com toda a sua grandeza e miséria, a uma conclusão definitiva. Então, sua causa como mediador será justificada e seus discípulos fiéis, serão recompensados.
Só resta ao homem viver na esperança, se ele souber que todas as coisas terminarão bem com a vinda de Cristo. Sua soberania será definitivamente estabelecida, e todas as pessoas serão submetidas ao seu reinado. Até esse dia chegar, devemos ser fiéis e esperar por Ele com esperança, pois, como vimos anteriormente, ele é o único caminho que leva ao Senhor, uma vez que o homem sozinho está condenado à perdição, já que ele é um indivíduo, mas é também a síntese da humanidade, e os pecados da humanidade são de certa maneira os pecados do homem. A aliança em Cristo redime os pecados, e, a história da salvação manifesta-se como uma grandiosa pedagogia divina que aponta para Cristo.
 
Referências bibliográficas  

KREEFT, Peter. Cristianity for modern pagans: Pascal´s Pensées. Edited, Outlined and explained. – San Francisco: Ignautos press, 1993. 341p.

MESNARD, Jean. Les Pensées de Pascal. Paris, Sedes, 1993.

PASCAL, Blaise, Pensamentos. – 2ª edição. Apresentação de notas Louis Lafuma; Tradução Mário Laranjeira, Revisão técnica Franklin Leopoldo e Silva, revisão da tradução Márcia Valéria Martinez de Aguiar; introdução da edição brasileira Franklin Leopoldo e Silva. São Paulo: Martins Fontes, 2005. 441p. – (Paidéia).

ROGERS, Ben. Pascal. Elogio do efêmero. – São Paulo: Editora UNESP, 2001. 65p.

ROHDEN, Humberto. Pascal: o homem que apelou da razão para o coração e de Roma para Deus. – 3ª edição. Alvorada Editora e Livraria Ltda., 1981. 82p.

VELARDE, Robert. Greatness and Wretchedness: The Usefulness of Pascal’s Anthropological Argument in ApologeticsChristian Research Journal, v. 27, p. 32-40.