COLÓQUIO PASCAL USP –
07/06/2017
Nome: Arlindo Nascimento Rocha
Nível acadêmico: Mestre em Ciência da Religião pela
PUC-SP
Dissertação: Paradoxos da Condição Humana:
Grandeza e miséria como paradoxo fundamental na filosofia da Blaise Pascal.
Orientador da dissertação: Luís Felpe Pondé
TÍTULO DA APRESENTAÇÃO
o paradoxo entre grandeza e miséria
OBS:
Este artigo publicado na “Revista Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento”, em
abril de 2017, no seguinte endereço eletrônico:
RESUMO
Blaise Pascal (1623-1662) pensador francês, considerado gênio da ciência, matemático, físico, filósofo, teólogo, pai da computação digital, da física experimental, do cálculo integral e diferencial, da geometria projetiva, gênio da literatura universal, defensor do cristianismo, polemista tentado pela reclusão, mas, muitas vezes obscurecido pela lenda.
Como pensador,
seus escritos teológicos e filosóficos são contagiantes, uma vez que,
desenvolveu uma influente leitura da condição humana em sua época. Nessa
apresentação, analisarei os conceitos de grandeza e miséria como argumento
antropológico em Pascal que, segundo Robert Velard: “Começa com uma observação
simples: os seres humanos exibem qualidades de grandeza e miséria”.
A obra de
Pascal é construída sobre o paradoxo do homem: Grandeza e miséria, razão-coração;
finito-infinito, tempo-eternidade, carne-espírito. Pascal afirma que, “fonte de
todas as heresias é não conhecer o acordo de duas verdades opostas”. Ao
refletir sobre o paradoxo entre grandeza e miséria, no fragmento “Laf. 114;
Bru. 397”, Pascal nos mostra uma dialética entre esses dois conceitos que
caracterizam antropologicamente a natureza humana, através da seguinte
passagem: “a grandeza do homem é grande por ele conhecer-se miserável [...] É
então ser miserável conhecer (-se) miserável, mas é ser grande conhecer que se
é miserável”.
Segundo Alain
Couprie, “Pascal não descreve a miséria do homem por misantropia ou pelo ódio
de seus conterrâneos”. Essa dialética que Pascal articula exprime a situação
dramática do homem no limiar dos tempos modernos. [...] Todavia, é preciso
ressaltar que a grandeza do homem em Pascal não se confunde com a riqueza, a
glória ou o exercício de altos cargos. Para ele, essas são “grandezas de
estabelecimento” resultantes de um acidente de nascimento ou de instituições
políticas e sociais. Eles não constituem nenhum caso de grandeza real, uma vez
que, a verdadeira grandeza se funda na dignidade do homem.
De
acordo com Robert Velarde:
O argumento
antropológico de Pascal começa com uma observação simples: os seres humanos
exibem qualidades ou traços de grandeza e miséria. Tal argumento é
atraente em um ambiente contemporâneo, porque começa com uma observação da
natureza humana, em vez de um argumento direto à existência de Deus, a
confiabilidade na Bíblia, a validade da crença na ressurreição.
Esse argumento
apenas pretende iniciar a discussão sobre a natureza da condição humana. Segundo
Bem Rogers: a dialética de Pascal alerta o interlocutor agnóstico para dois
elementos da condição humana em geral, e para sua dificuldade em particular:
Procura mostrar que ninguém, baseando-se
apenas em meios humanos, é capaz de entender a confusa mistura de baixas
qualidades e alto potencial presente no homem (maços 2-7);
Apesar
da evidente capacidade para a felicidade, o homem é naturalmente miserável e
nada que os filósofos foram capazes de sugerir pode aliviar essa miséria (maços
8-10).
Pascal pinta
um quadro absolutamente trágico da condição paradoxal do homem, questionando sua
verdadeira essência nas seguintes palavras:
Que tipo de
quimera é então o homem? Que novidade, que monstro, que caos, que fonte de
contradições, que prodígio? Juiz de todas as coisas, verme imbecil, depositário
da verdade, cloaca de incerteza e de erro, glória e rebotalho do universo.
É visível que
o homem vive uma situação paradoxal marcada por traços de grandeza e miséria.
No entanto, o homem recusa-se a ver a verdade da sua condição e vive
disfarçando, forjando para si uma máscara que esconda a sua miséria. Miséria essa,
que marca o homem com o selo da discórdia, interna e externa.
No plano interno, ela reflete-se na
luta entre a razão e as paixões;No plano externo entre o homem e a
natureza.Ou
seja; O sujeito pascaliano vive eternamente em conflito consigo mesmo.
O paradoxo
entre grandeza e miséria, é a nosso ver, o cerne da antropologia pascaliana,
uma vez que, assinala duas naturezas antagônicas, porém inseparáveis. Ou seja, o homem é um misto de misérias e de
grandezas, e, naturalmente, entre essas duas dimensões existe uma relação de
alteridade.
De acordo com,
Jean Mesnard, a noção de miséria pode ter alternativas como: mesquinhez e fraqueza,
ideia essa, encontrada em Santo Agostinho. Mas, as duas noções que Pascal
desenvolve juntas, a saber: Primeira: a grandeza, que Epiteto pretendia
realizar unicamente pela força do homem, e; Segunda: a miséria, que Montaigne
pretendia acomodar numa posição de orgulho e de preguiça, são na realidade dois
momentos compreensíveis somente na perspectiva cristã [...] Segundo Humberto
Rohden “entre os dois está o cristianismo, que não [super-humaniza] nem [infra-humaniza]
o homem, [...] O homem era grande antes da queda, mas ele é miserável sem Deus.
Sua salvação depende da graça de Deus”.
Para Pascal a grandeza
do homem vem de sua origem divina, e sua esperança de salvação é sustentada
pela redenção de Jesus Cristo, sem a qual o conhecimento de Deus seria inútil
para o homem. Ainda segundo Pascal, “o homem não é nem anjo nem animal”, por
isso:
É perigoso mostrar-lhe o quanto é
igual aos animais sem lhe mostrar sua grandeza. É também perigoso mostrar-lhe sua
grandeza sem a sua miséria. É
mais perigoso ainda deixá-lo ignorar uma e outra coisa, mas é vantajosíssimo apresentar-lhe
uma e outra.
Por isso, Pascal nos mostra como fazer isso no
fragmento “Laf. 130; Bru. 420” da seguinte forma “se ele se gaba, eu o rebaixo.
Se ele se rebaixa, eu o gabo. E o contradigo sempre. Até que ele compreenda que
é um mostro incompreensível”.
É importante
assinalar que, segundo nos relata Kreeft, as duas heresias humanas fundamentais
são o ‘animalismo’ e o ‘angelismo’. Ou seja, “o homem tem uma existência
paradoxal: grandeza miserável, animal racional, espírito mortal, caniço
pensante”.
Existem três
paradoxos no fragmento, que devem ser distinguidos;
1º metafisicamente,
o homem é sujeito e objeto. Um objeto pequeno e fraco, como um caniço. Mas ele
é também sujeito: mente e espírito, pensamento e consciência, ou seja, uma
folha de grama que filosofa;
2º psicologicamente
o homem é grande e miserável, exaltado e rebaixado; e,
3º moralmente
o homem é mau e bom, capaz do inferno ou do paraíso [...].
Nessas três
vias, o homem é instável, sua natureza é dupla (corpo e espírito), sua
consciência é dupla (exaltado e rebaixado) e a sua potencialidade é dupla
(inferno ou paraíso).
O paradoxo
entre grandeza e miséria nos leva a refletir sobre a verdadeira situação do
homem e a formular algumas interrogações pertinentes:
De
que forma podemos perceber a miséria e a grandeza no homem contemporâneo?
O conhecimento desse paradoxo muda
efetivamente a forma de pensar do homem?
Certamente, a
humanidade diante de tantas calamidades, sofrimentos, perdas e corrupção já
está num estágio de entorpecimento, e, a única saída, é a fuga de si mesmo.
Todo homem está à procura da felicidade, porém essa vem sendo buscada de
maneira egoísta e envaidecida. Contudo, na via pascaliana, a grandeza deve
associar-se à miséria humana pela reflexão, uma vez que, segundo André Soarès “a
mediocridade, que mantém o mundo, é a mesma vaidade que salva os homens”.
Pascal
acreditava que só a religião cristã é que explica justamente a natureza do homem. O
homem é tanto mísero como grande. Muitas religiões reconhecem a grandeza
do homem, mas não conseguem ver a sua miséria e vice versa.
Exemplos:
O movimento da Nova Era; o homem
é Deus e o pecado é uma ilusão;
Os humanistas seculares consideraram o
homem um animal;
Os
behavioristas vêm o homem como uma máquina.
Portanto, só o cristianismo vê o homem pelo que ele realmente é; o homem é miserável e
grande.
Na formulação
do paradoxo, Pascal, teve como precursores dois filósofos: Epiteto e Montaigne,
cada um representando uma corrente filosófica diferente, o Estoicismo e o Ceticismo,
cada uma, apresentando uma análise unilateral do homem. Esses dois filósofos,
influenciaram o pensamento de Pascal na elaboração do conceito de homem
paradoxal, cindido entre miséria e grandeza. Segundo Peter Kreeft, ao filósofos
não deveriam ser divididos em “otimistas” e “pessimistas” ou em filósofos da
grandeza humana e filósofos da miséria humana, mas em “paradoxicalists” e “nonparadoxicalists”.
Paradoxicalists são filósofos como Pascal que tem uma
visão aberta o suficiente para ver profundamente em ambas as direções ao mesmo
tempo. (Paulo, Agostinho, Pascal, Kierkegaard e Dostoiévski são verdadeiros paradoxicalists);
Muitos filósofos ao contrário são unidimensionais,
ou seja, nomparadoxicalists porque
eles cobrem um dos olhos ao analisarem o homem. Eles são otimistas ou
pessimistas, racionais ou empiristas, espiritualistas ou materialistas.
A influência de
Epiteto e de Montaigne fica clara na conversa com o Senhor da Sacy, onde Pascal
apresenta de forma sistemática ser conhecedor dessas duas posições, cujo
objetivo era mostrar que nenhuma análise unilateral do homem é capaz de
explicar sua verdadeira condição.
Em Pascal,
como vimos o homem é um composto integrado de miséria e grandeza, portanto, nem
Epiteto, nem Montaigne estavam certos ao defenderem suas teses, uma vez que, a
verdadeira condição do homem, está na conjugação das duas posições.
Atualmente, não
é difícil enxergar que o homem se revela ao mundo apresentando traços de
grandeza, e traços de infinitas misérias, fruto da ruptura com o seu Criador. Mas,
segundo Pascal, Cristo voltará um dia para trazer à história humana, com toda a
sua grandeza e miséria, a uma conclusão definitiva. Então, sua causa como
mediador será justificada e seus discípulos fiéis, serão recompensados.
Só resta ao
homem viver na esperança, se ele souber que todas as coisas terminarão bem com
a vinda de Cristo. Sua soberania será definitivamente estabelecida, e todas as
pessoas serão submetidas ao seu reinado. Até esse dia chegar, devemos ser fiéis
e esperar por Ele com esperança, pois, como vimos anteriormente, ele é o único
caminho que leva ao Senhor, uma vez que o homem sozinho está condenado à
perdição, já que ele é um indivíduo, mas é também a síntese da humanidade, e os
pecados da humanidade são de certa maneira os pecados do homem. A aliança em
Cristo redime os pecados, e, a história da salvação manifesta-se como uma
grandiosa pedagogia divina que aponta para Cristo.
Referências
bibliográficas
KREEFT, Peter. Cristianity for modern
pagans: Pascal´s Pensées.
Edited, Outlined and explained. – San Francisco: Ignautos press, 1993. 341p.
MESNARD, Jean. Les Pensées de Pascal. Paris, Sedes, 1993.
PASCAL, Blaise, Pensamentos. – 2ª
edição. Apresentação de notas Louis Lafuma; Tradução Mário Laranjeira, Revisão
técnica Franklin Leopoldo e Silva, revisão da tradução Márcia Valéria Martinez
de Aguiar; introdução da edição brasileira Franklin Leopoldo e Silva. São
Paulo: Martins Fontes, 2005. 441p. – (Paidéia).
ROGERS, Ben. Pascal. Elogio do efêmero. – São Paulo: Editora UNESP, 2001. 65p.
ROHDEN, Humberto. Pascal: o homem que apelou da razão para o
coração e de Roma para Deus. – 3ª edição. Alvorada
Editora e Livraria Ltda., 1981. 82p.
VELARDE,
Robert. Greatness
and Wretchedness: The Usefulness of Pascal’s Anthropological Argument in
Apologetics. Christian
Research Journal, v. 27, p. 32-40.