Na
filosofia de Pascal, a dignidade do homem ou sua grandeza é o centro
inquestionável, mas apresenta um lado reverso. De facto, a grandeza do homem,
se contrapõe a miséria da condição humana. É o pensamento que constitui a
grandeza do homem. Toda a dignidade do homem consiste no pensamento, segundo
Pascal, “o homem é feito visivelmente para pensar; é toda a sua dignidade e todo
o seu mérito; e todo o seu dever é pensar bem”. A condição do homem,
porém, é miserável. Essa miséria humana transparece diariamente e continuamente
na vida de qualquer um. Segundo Pascal, os princípios de verdade, ou seja, a
razão e os sentidos carecem de sinceridade e se enganam mutuamente. Excluindo a
razão científica e colocando-se diante dos próprios morais, o homem descobre a
sua miséria em toda a sua evidencia.
Pascal
insiste mais, porém, na miséria ontológica da condição humana. E conforme
ressalta, a grandeza do homem reside também no fato de reconhecer-se como um
ser cheio de misérias, impotente, finito, incerto, insuficiente, incapaz,
situado entre dois extremos o finito e o infinito, sendo um nada com relação ao
infinito e um tudo com relação ao nada, um meio entre o nada e o tudo,
infinitamente afastado de compreender os extremos; o fim das coisas e seus
princípios estão para ele invencivelmente escondidos num segredo impenetrável
incapaz de ver o nada de onde foi tirado e o infinito em que é engolido. A comparação do finito com o infinito
estabelece a nulidade do homem com suficiente nitidez, afastando a necessidade
de nela insistir. O que caracteriza o homem é a sua desproporção em relação ao
finito e infinito. Essa desproporção com o duplo infinito da pequenez e da
grandeza descreve a abolição de qualquer relação com estes dois extremos: o
homem ou o ser sem relação com a natureza ou com o infinito.
Porém,
essas mesmas misérias provam a sua grandeza, e, isso advém do facto de
reconhecer suas limitações e tentar supera-las. Grandeza e miséria são, pois,
duas faces da mesma moeda, ou seja, duas situações interligadas, dando ao homem
uma dupla natureza paradoxal, pois, o homem é um ser dicotomizado, dividido e
esquartejado em naturezas antagônicas, porém, complementares, e que buscam a
sua própria superação. A busca pela superação do lado menos nobre “miserável” é
possível pela razão, pela reflexão, mas só se chega ao seu ápice pelo recurso à
religião, uma vez que a razão, por si só mostra-se insuficiente, porque não
consegue explicar os primeiros princípios como espaço, tempo e números. A razão
não é suficiente a si mesma, ela tem limites, e Pascal reconhece esses limites,
e estabelece que a ética, a vida social e a religião é que definem o mundo
humano real e esse mundo real em grande parte foge das possibilidades da razão.
Então,
o homem possui duas faculdades distintas para se chegar ao conhecimento: o
coração e a razão. Embora essas duas faculdades tenham objetos de conhecimentos
bem distintos eles nunca entram em conflito, uma vez que cada um possui o campo
de atuação, assim Pascal afirma que é inútil pedir ao coração que tenha ou faça
um raciocínio lógico-matemático, assim como, é impossível pedir ao coração que
tenha um sentimento. A frase de Pascal - "O coração tem razões que
própria razão desconhece" nos obriga precisamente a examinar, que
razões são estas proclamadas pelo Coração. Descobrimos que além dos
Sentidos (que nos coloca em contato com a natureza sensível) e da razão
que organiza este conhecimento, pela sua racionalidade, descobrimos que existe
um vasto universo da dimensão humana que está em uma esfera mais
ampla de nossa experiência. Sentimentos (emoções) e a Intuição passam
a figurar em nosso sistema.
Ao
escrever sobre miséria, Pascal aborda um tema interessante, a diversão, ou
seja, “divertissement”. Para ele a
diversão, como um desvio do caminho, uma fuga da visão clara de que o homem tem
as suas próprias misérias, mas não consegue viver com esse peso que carrega
desde a queda Adâmica, por isso, ele procura se refugia na diversão, como forma
de escapar ou então de mascarar a sua real situação, ou seja, uma situação
miserável sem Deus. Então, a diversão passa a ser umas das maiores misérias do
homem, porque ele esquece de si mesmo e mergulha numa procura insensata de
satisfação onde ele esquece de olhar para dentro de si mesmo, de tomar
consciência do seu estado, capaz de leva-lo a superar as suas próprias
insuficiências. Divertir-se é uma forma de distrair-se com ocupações que nos
distanciam das misérias que vivemos. Quando não tivermos nada para fazer
sentiremos as nossas misérias, o divertimento é o fazer algo que vai distanciar
nossa alma do vazio e do tédio. A diversão é uma fuga de nós mesmos.
A
grandeza e a miséria humana apresentada por Pascal nos levam a suscitar
indagações: de que forma percebemos hoje essa “miséria” e essa “grandeza” em
nós? A humanidade diante de tantos sofrimentos e corrupções, nascidos dela
mesma, já está num estágio de insensibilidade ao outro e frente àquilo que cada
vez mais a oprime. O homem, hoje, mais do que nunca, busca o divertimento. Não
somente como fuga, mas como um prazer, meio pelo qual procura não assumir sua
condição de ser finito. Todo homem está à procura da felicidade, mesmo aqueles
que se suicidam, porém, essa vem sendo buscada de maneira egoísta e
envaidecida. Contudo, na via pascaliana, a grandeza deve cada vez mais
associar-se à miséria humana pela reflexão.
Segundo
Pascal "A miséria deduz-se da grandeza, e a grandeza da miséria. Uns tanto mais
poderosamente deduzem a miséria, quanto mais fortemente provam a grandeza;
outros deduzem a grandeza da maior prova da miséria. Tudo quanto uns dizem para
deduzir a grandeza é para outros argumentos com que deduzem a miséria, e vice-versa.
Uns e outros se colocam num círculo vicioso, já que, à medida que os homens têm
mais luzes, mais miséria e grandeza descobrem no Homem. Numa palavra: o Homem
reconhece que é mísero; é mísero porque o é, mas é grande porque o reconhece. Tal
duplicidade do Homem é tão visível que houve quem chegasse a pensar que possuímos
duas almas”.
A
superação dos vários paradoxos que afligem o homem, segundo Pascal, requer a
intervenção da divindade. Só Deus, portanto, pode salvar o homem e a este só resta
ter fé, alimentar a fé, que é essencialmente dom de Deus. Pascal desde cedo
teve uma educação cristã, mesmo tendo dedicado á ciência, não perdeu o vínculo
com Deus. Porém, pouco antes dos 30 anos ele se afasta da vida religiosa e se
entrega ao bom-viver da sociedade parisiense. Mas, um acidente de carruagem,
modifica de novo sua vida. Recupera e começa a viver profundamente a prática
religiosa, tornando-se praticamente um místico. Apesar de ter uma saúde frágil,
leva uma vida intensa de trabalho, e, por ter uma mente inquieta, passa a
reelaborar suas reflexões filosóficas dando-lhe um cunho teológico. Contudo,
ele não mescla filosofia com teologia e privilegia a independência de ambos.
Por outro lado, fixa uma delimitação clara entre o saber científico e a fé
religiosa, fazendo assim a distinção entre as ciências empíricas e a teologia.
Através distinção, ele especifica os métodos relativos delineando as respetivas
caraterísticas do discurso científico e do teológico. Ele ataca os princípios
da autoridade na pesquisa racional, uma vez que esse principio só é legítimo
nas verdades da fé, ou seja, reveladas, uma vez que, as verdades teológicas e
as que obtemos pelo raciocínio e pela experiência são diferentes: as primeiras
são dom de Deus e portanto, eternas e as segundas frutos da atividade humana e
necessariamente, progressivas.
Assim,
a fé independe da razão. Então a razão não pode resolver o problema da fé, uma
vez que este é dom de Deus. Por isso é que a razão nunca pode afirmar que Deus
existe, porque só através da fé que Deus pode transmitir ao ser humano a
experiência íntima da sua existência. Por isso pascal afirma que “o coração e
não a razão que sente Deus que é sensível a fé a não a razão. Essa dicotomia
entre saber e fé, entre razão e fé, está implícita nessa frase do próprio
Pascal: “O coração tem razões, que a própria razão desconhece.”
De
todo modo, mesmo que sejamos limitados, somos os únicos seres pensantes da
natureza. Somos também um dos seres mais fracos da natureza, mas somos fracos
pensantes e é no pensamento que está nossa dignidade, nossa nobreza e
superioridade frente à natureza. Nós somos miseráveis e mortais, mas sabermos
que somos miseráveis e mortais e nisso está nossa grandeza, por isso, Pascal
escreveu o seguinte fragmento: "O homem não passa de um caniço, o mais fraco
da natureza, mas é um caniço pensante. Não é preciso que o universo inteiro se
arme para esmagá-lo: um vapor, uma gota de água basta para matá-lo. Mas, mesmo
que o universo o esmagasse, o homem seria ainda mais nobre do que quem o mata,
porque sabe que morre e a vantagem que o universo tem sobre ele; o universo
desconhece tudo isso. Toda a nossa dignidade consiste, pois, no pensamento. Daí
que é preciso nos elevarmos e não do espaço e da duração, que não podemos
preencher. Trabalhemos, pois, para bem pensar; eis o princípio da moral. Não é
no espaço que devo buscar minha dignidade, mas na ordenação de meu pensamento.
Não terei mais, possuindo terras; pelo espaço, o universo me abarca e traga
como um ponto; pelo pensamento, eu o abarco". Pascal, Pensèes.
Bibliografia:
PASCAL
“Cientista e Filósofo Místico” - Coleção Filosofia Comentada – Editor Lafonte,
2011.
PASCAL,
Blaise. Pensamentos. v.16. Os Pensadores. Trad. de S. Milliet.
2 ed. São Paulo:
Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores).