A ideia do nada.
A
ideia do nada é um dos três termos de um esquema importante no pensamento de
Blaise Pascal. Ele difere o nada pelas suas dimensões, sua irresistência e sua
imobilidade o distinguem da matéria.
Segundo
Pascal “a conversão verdadeira consiste em se aniquilar-se...”, ou seja,
tornar-se um “nada”. O que é então, esse nada? A
palavra “nada” tem muitos significados. É empregado para traduzir ex nihilo quando se fala da criação: “O
homem foi criado do nada”. A palavra designa um termo da alternativa: ser ou não
ser, existir ou não existir, o “nada” antes do nascimento, o “nada” que
consiste na morte no pensamento dos ímpios: “só sei que ao sair deste mundo,
caio para sempre no nada, ou nas mãos de um deus irritado”.
A
ideia do “nada” também tem uma função de negação, “um nada de número”, “um nada
de movimento”, “um nada de tempo”, “um nada de extensão”. O geômetra pensa o
“nada” como uma espécie de passagem ao limite considerando os infinitamente
pequenos, “... algum movimento, algum número, algum espaço, algum tempo que
seja, disso há sempre um maior e um menor. Eles se sustêm entre o nada e o
infinito, estando infinitamente distantes desses extremos.
Em
Do Espirito Geométrico, a ideia do
nada pode ser representada pelo numero zero “... zero não é do mesmo gênero dos
números, porque sendo multiplicado não pode ultrapassa-los...”; logo é um
verdadeiro indivisível de número, como o indivisível é um verdadeiro zero de
extensão. A palavra “nada” é convocada pelo problema da divisibilidade ao
infinito e “o conhecimento do nada”, obtido pela passagem ao limite. “Por
pequeno que seja o número... pode-se ainda conceber-lhe um menos, e sempre ao
infinito, sem chegar ao zero”.
Em
Física, a palavras “nada” foi ligada ao problema do vácuo. Pascal escreve que,
não há nada tão contrário ao ser quanto o nada. É preciso chega ao conhecimento
do nada, conhecer uma inteira privação de todos os tipos de qualidades e de
efeitos.
Quando
se trata da vida espiritual, a palavras “nada” em um contexto que significa
valores que vão impor um dever de aniquilamento. Para saber o que as palavras
“nada” e “aniquilamento” significam na linguagem da espiritualidade, o melhor é
tomar como guia Bérulle, que explica que o homem é três vezes nada.
Primeiro,
é nada como criatura tirada do nada e que lhe conserve a marca na dependência
do Criador. O ser verdadeiro é aquele que existe por si, segundo, o ser é nada
como pecador, o pecado que o separa do criador rejeitou-o ao nada; terceiro, o
ser é nada como reparação, poie o que a graça dá se não o poder de aniquilar-se
diante de deus, de tornar-se um nada nas mãos de Deus. Os
dois primeiros casos designam condições: a de criatura e a de pecador. O
terceiro faz intervir uma operação: há nada lá onde há aniquilamento, nesse
caso, tudo está no verbo “aniquilar-se”.
Os
dois primeiros nadas definidos por Bérulle, aparecem nos textos de Pascal. O
primeiro nada é a finitude própria à natureza de ser criado. Ele sugere com o
esquema entre-dois na sua versão antropológica no fim do opúsculo Do Espirito geométrico e desdobrado
minunciosamente no fragmento sob o título “Desproporção do homem”. Para se
conhecer, o homem deve começar por situar num mundo que é “uma esfera infinita
cujo centro está em toda a parte, a circunferência em parte alguma”. Entre dois
abismos do infinito e do nada estremecerá à vista dessas maravilhas...
Segundo
a definição do homem entre-dois, Pascal define o homem como sendo: um nada em
relação ao finito, e um tudo e relação ao nada, um meio entre o nada e o
tudo... Nesse contexto a palavras “nada” tem dois sentidos. O sentido ex nihilo que afirma um “nada absoluto”
e um “tudo em relação ao nada”, não havendo contradição nesse e noutro trecho
quando Pascal afirma que “nós somos algo e não somos tudo”...
No
vocabulário da espiritualidade, o homem é nada relativo,mas no interior de uma
relação com o ser incriado. Se usássemos a definição de Descartes, diríamos: no
primeiro caso, o homem é nada em relação ao universo indefinido e, no segundo,
o é em relação a Deus infinito.
GOUHIER,
Henri – Blaise Pascal – “Conversão e apologética”.
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