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quinta-feira, 21 de março de 2024

Dez curiosidades sobre o Filósofo Blaise Pascal

    
    Blaise Pascal, uma figura incontornável do século XVII, é celebrado por sua notável diversidade de talentos e realizações. Neste texto, exploraremos 10 curiosidades fascinantes sobre sua vida e obra. Desde suas contribuições revolucionárias para a matemática e física até sua influência duradoura na filosofia e teologia.

    Pascal transcendeu os limites disciplinares, deixando um legado que continua a inspirar e intrigar pessoas em todo o mundo. Vamos mergulhar nas camadas de conhecimento e insight que definem a extraordinária jornada de Blaise Pascal.


 
1. Polimatia: Pascal era um polímata, ou seja, uma pessoa com conhecimento e habilidades em diversas áreas. Ele era um matemático, físico, inventor, escritor, teólogo e filósofo.

2. Contribuições para a matemática: Pascal é mais conhecido por suas contribuições para a matemática. Ele ajudou a desenvolver o campo da geometria projetiva e a teoria das probabilidades. A unidade de pressão, o pascal, foi nomeada em sua homenagem.

3. Calculadora pascaline: Em 1642, aos 19 anos, Pascal inventou a Pascaline, uma das primeiras calculadoras mecânicas. Este dispositivo ajudou no cálculo de somas complexas e multiplicação.

4. Experiência mística: Pascal teve uma experiência religiosa significativa em 1654, que mudou o curso de sua vida. Ele relatou ter tido uma visão mística que o levou a se dedicar à religião de uma forma mais profunda.

5. Pensamentos filosóficos: Pascal foi um filósofo prolífico, e sua obra "Pensées" (Pensamentos) é uma das mais influentes da literatura filosófica. Aborda temas como a natureza da fé, a condição humana e a busca pelo significado da vida.

6. Aposta de Pascal: Ele é famoso pela "Aposta de Pascal", um argumento sobre a razão para acreditar em Deus. Argumentava que é racional apostar na existência de Deus, pois se estiver errado, nada se perde, mas se estiver certo, há um ganho infinito.

7. Saúde frágil: Pascal sofria de saúde frágil ao longo de sua vida. Ele teve problemas de saúde desde a infância, incluindo dores de cabeça crônicas, e sua saúde se deteriorou ainda mais na idade adulta.

8. Contribuições para a física: Além de suas contribuições para a matemática, Pascal também fez avanços significativos na física. Ele estudou o vácuo e a pressão atmosférica, e suas descobertas ajudaram a estabelecer os fundamentos da mecânica dos fluidos.

9. Escritor eminente: Além de seus trabalhos científicos e filosóficos, Pascal também foi um escritor talentoso. Suas obras são conhecidas por sua clareza e profundidade, e ele é considerado um dos grandes autores franceses.

10. Legado duradouro: O legado de Pascal perdura até os dias de hoje. Sua influência é sentida em várias áreas, incluindo matemática, física, filosofia e teologia. Suas ideias continuam a inspirar e provocar reflexão em pessoas de todo o mundo.

     Em resumo, as 10 curiosidades sobre Blaise Pascal revelam a incrível diversidade de talentos e conquistas desse renomado polímata. Desde suas contribuições inovadoras para a matemática e física até sua influência duradoura na filosofia e teologia, Pascal deixou um legado rico e multifacetado

sexta-feira, 3 de setembro de 2021

JAQUELINE DE MÃOS CRUZADAS DE PABLO PICASSO

 

Saiba da história por trás da capa do meu livro “Blaise Pascal: o caniço pensante” 


A tela "Jacqueline de mãos cruzadas" (1954), do pintor espanhol Pablo Ruiz Picasso, mais conhecido como Pablo Picasso (1881-1973) é uma pintura a óleo sobre  tela (116x88), e encontra-se atualmente no Museu de Paris.  

A jovem Jacqueline Roque foi a segunda e última esposa de Picasso. Eles se conheceram em 1953 e casaram-se em em 1961, após o falecimento de Olga Koklova (1955), a primeira esposa do pintor.

No entanto, as primeiras imagens de Jacqueline  apareceram nas pinturas do Picasso em 1954, um ano depois de terem conhecido e antes da morte da esposa Olga.    

Quando conheceram, Jacqueline tinha 27 anos e Picasso 72. Essa diferença de idade, certamente, fez com que Picasso a retratasse centenas de vezes, na tentativa de entendê-la/descrevê-la através de sua percepção. Por isso, ela foi a mais retratada, ficando atrás apenas da modelo francesa, Marie-hérèse Walter. 

A pintura retrata a imagem enigmática de Jacqueline sentada no chão, em posição de esfinge, supostamente, em um ambiente doméstico com os dedos entrelaçados e os braços cruzados enlaçando os joelhos. 

Seu pescoço longo em forma de coluna (sinônimo de segurança  e solidez), sustenta sua cabeça onde é possível identificar traços bem característicos: nariz longo e reto, olhar fixo e vigilante, rosto compenetrado, absolutamente alheia ao que acontece ao redor. 

O casamente de Picasso com Jacqueline durou apenas 11 anos. Por ter aproximadamente metade da idade de marido, ela, certamente, foi seu pilar nos últimos anos, pois, zelava por sua saúde e intimidade criativa, protegendo-o do assédio midiático da época tendo em conta sua fama como pintor e escultor. 

O que Jacqueline de mãos cruzadas de Picasso, tem que ver com o Caniço pensante de Pascal? Pensamento. 

O olhar fixo e compenetrado é característico de pessoas que fazem do pensamento e da reflexão um exercício constante, o que é sinônimo de grandeza, pois, segundo Pascal, o pensamento faz a grandeza do homem. 

No entanto, é através desse ato que o homem também é capaz de contemplar seus limites e reconhecer que, apesar da sua grandeza, está prenhe de misérias e fraquezas inerentes a própria condição humana. 

Isso nos coloca em um cenário onde todos deveriam se reconhecem como “caniços pensantes” – grandes pelo pensamento, porém, fracos pela vulnerabilidade existencial, pois, somos os seres mais fracos da natureza.

Tão facos que podemos, segundo Pascal, ser esmagados por uma um vapor, uma gota de água. Mas, mesmo que sejamos esmagados, seremos mais nobres, exatamente por sabermos algo que o que nos esmaga, ignora.


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terça-feira, 24 de agosto de 2021

Blaise Pascal: O Caniço Pensante – Novo livro de Arlindo Rocha publicado no Brasil

 



Mais do que um livro, é a história de superação de um cabo-verdiano das ilhas que sonhou alto, mas tão alto, que muitos duvidavam que no final da sua jornada conseguiria algo tão precioso, tão desejado, mas, tão difícil que muitos desistem logo que enfrentam a primeira dificuldade…

EU CONSEGUI!

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Blaise Pascal: o caniço pensante

'Orelha do livro' 

Arlindo Nascimento Rocha 

Blaise Pascal veio ao mundo no dia 19 de junho de 1623 na cidade francesa de Clermont-Ferrand. De corpo frágil, saúde débil e mente prodigiosa, viveu apenas 39 anos, tendo falecido em Paris em 19 de agosto de 1662. Filho de Étienne Pascal e Antoinette Begon, irmão de Gilbert e Jacqueline, Pascal é considerado um gênio de seu tempo, mesmo sem ter saído de nenhum colégio, pois, foi alfabetizado pelo pai. Mesmo assim, muito influenciou sua geração e continua causando impacto no homem dos nossos dias, sobretudo, com suas reflexões sobre a condição humana. Também é considerado um ‘fenômeno’ da literatura científica, uma vez que tinha uma atração especial pelas ciências naturais e aplicadas. Seu interesse científico visava objetivos imediatos e práticos, antecipando assim, alguns modelos e métodos de investigação que atualmente dominam a vida científica. Foi matemático, físico, filósofo, apologeta e teólogo. Interessou-se pela matemática desde criança, tendo descoberto a 32ª proposição de Euclides, escreveu sua primeira obra aos doze anos (obra acústica), aos dezessete publicou o Essai sur lês coniques e aos dezenove inventou a máquina de calcular (La pascalinne). Posteriormente, inventou a prensa hidráulica e provou a existência do vácuo. Como matemático e físico respeitava o rigor moderno e não dava importância às especulações filosóficas dos aristotélicos e desprezava a religião em questões da razão ou de fatos. Como filósofo e apologeta escreveu os Pensamentos, uma clássica defesa do cristianismo e uma referência universal para o estudo do seu pensamento. Seus principais biógrafos o consideram um pensador notável e um dos maiores escritores da prosa francesa que, após um acidente envolvendo seu pai, converteu-se ao jansenismo e entrou em conflito com os jesuítas tendo escrito as célebres Cartas Provinciais (coleção de 18 cartas) em defesa de Arnauld e dos habitantes de Port-Royal. Muitos vêm nele um dos maiores enigmas e paradoxos da história espiritual da humanidade. Mas, como pensador da complexidade da natureza humana, seus escritos são fundamentais para entender muitos aspetos da nossa atual sociedade, pois, ele é de uma atualidade extraordinária.

ROCHA, Arlindo Nascimento. Blaise Pascal: o caniço pensante. - Rio de Janeiro, RJ: Autografia, 2021. 218p. 

Editora Autografia: CLIQUE AQUI
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sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Blaise Pascal: o caniço pensante

 

[Autografia Editora - Rio de Janeiro]  

Descrição: Esta obra é uma coletânea de seis artigos publicados em várias revistas acadêmicas com reflexões e meditações filosóficas, teológicas e políticas. 

No primeiro artigo, reflete-se sobre a relevância do pensamento político de Pascal, filósofo francês, que teve até recentemente seus escritos ignorados; 

no segundo, analisa-se a concepção existencial do homem presente na obra Pensamentos; 

no terceiro, analisa-se as críticas de Pascal ao pensamento racional que pretendia legitimar a verdade baseando-se apenas na razão; 

no quarto, investiga-se os conceitos de desejo e divertimento como categorias antropológicas que ajudam a entender melhor a necessidade (desejo) e a busca pela agitação (divertimento) como marcas do desvio da nossa condição insustentável; 

no quinto, apresenta-se a visão pascaliana sobre o mal que determinou a entrada do pecado no mundo e, consequentemente, a ocultação de Deus; e,

finalmente, no sexto, investiga-se as duas vias filosóficas pelas quais Pascal constrói o paradoxo entre grandeza e miséria, como fundamental para o estudo e a compreensão do homem.

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Sobre o autor: 

Arlindo Nascimento Rocha (1974) é natural do arquipélago de Cabo Verde - África - e reside no Brasil desde 2012. É Doutor e Mestre em Ciência da Religião pela PUC-SP; Pós-Graduado - Lato Sensu – “Especialização” em Administração, Supervisão, Orientação Educacional e Pedagógica pela UCP/IPETEC; foi aluno ‘especial’ do Curso de Pós-Graduação em Filosofia da PUC-RIO; Licenciado em Filosofia para a docência pela Uni-CV; é formado em Pedagogia (Formação Inicial de Professores do Ensino Básico Integrado) pelo Instituto Pedagógico do Mindelo; foi Professor do Ensino Básico, Gestor Educacional e Supervisor do Curso de Formação de Professores (EAD) do Instituto Pedagógico do Mindelo. É autor das obras: Entretextos: coletânea de textos acadêmicos. - 1ª ed. – Rio de Janeiro: Editora PoD, 2017; Paradoxos da condição humana: grandeza e miséria como paradoxo fundamental em Blaise Pascal. - 1ª ed. – Maringá: Viseu, 2019; Religar-se: coletânea de breves ensaios. - 1ª ed. – Maringá: Viseu, 2020 e de vários artigos publicados em revistas acadêmicas.
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sábado, 13 de março de 2021

O olhar paradoxal do belo além da aparência em Plotino e Blaise Pascal: uma reflexão além do cognoscível

 


Por: Arlindo Nascimento Rocha*

Comparar dois filósofos, nunca foi tarefa fácil, principalmente quando se trata de dois pensadores tão distantes e pertencentes a épocas e culturas tão diferentes. Mas, a reflexão filosófica nos permite encontrar nexos importantes, pois, a história do pensamento, a despeito das suas variações, continua sendo uma, embora com nuances e particularidades inerentes à própria cultura de cada época.

O que nos permite fazer isso, é que nenhum filósofo é uma ‘ilha’. Por de trás do seu pensamento está um vasto manancial de influências e experiências acumuladas de centenas, para não dizer, de milhares de anos de evolução do pensamento. Isso, naturalmente, nos permite afirmar que, todo filósofo concebe ideias dentro de uma determinada visão de mundo, embora possa não estar necessariamente imerso nesse quadro circunstancial, pois, suas ideias acabarão transcendendo espacial, temporal e historicamente épocas delimitadas, pois, filósofo algum, jamais produziu apenas para sua época. Aliás, muitos nem sequer foram (re)conhecidos, pois, estavam à frente do seu tempo e, por isso, não foram compreendidos, ou foram mal interpretados. Logo, é legítimo assegurar que os grandes filósofos não são filhos desta ou daquela época, mas, amantes da sabedoria.

Então, para que possamos estabelecer com firmeza essa comparação, precisamos entender e respeitar a incompletude de cada um, acompanhar suas hesitações e lacunas, aceitar seus lapsos, reproduzir a ordem e a desordem das visões filosóficas em construção, embora longe da formulação definitiva.

Por isso, assumir o desafio de estabelecer uma comparação entre Plotino, um dos principais filósofos gregos do séc. III e representante do neoplatonismo que reúne em parte, a herança da filosofia greco-judaica e Blaise Pascal, a principal referência da tradição platônico-agostiniana na frança do séc. XVII, que melhor enxergou no homem suas contingências e possibilidades, situando-o entre extremos incomensuráveis (tudo e o nada, finito e o infinito, grandeza e pequenez), incapaz de dar conta da sua própria situação como ser do mileu (meio), é uma missão quase que impossível. Mas, fazer isso é tentar ao mesmo tempo, entender através de um recorte temático comum, não a construção de um sistema filósofo, mas, uma reflexão e um contributo para a história e evolução do pensamento.

A reflexão filosófica sobre o homem e sua relação com o mundo (cultura, arte, política, religião), acompanha a evolução da história da filosofia, pois, é um tema que é objeto de reflexão dos principais filósofos que o colocaram no centro das discussões. Naturalmente, Plotino e Pascal não fugiram a esse desafio. Pascal, um dos expoentes da filosofia francesa, provavelmente, foi um dos que mais refletiu sobre o homem em sua época. Mas, grande parte do que expôs, está ligado a uma construção ulterior, iniciado com Platão, Agostinho, Tomás de Aquino, Cornélio Jansênio, Lutero, Calvino até chegar, finalmente a ele, um fiel discípulo de Agostinho que, certamente leu Plotino, mais especificamente O tratado sobre o belo das Enéadas, pois, não logrou os ensinamentos de Platão diretamente, mas, através dos neoplatônicos.    

Naturalmente, é frutífero ver a reflexão filosófica sobre esse tema a partir dos dois paradigmas que fundaram a tradição filosofia clássica ocidental: o platônico e o aristotélico. O primeiro é dualista, cujas raízes estão solidificadas na doutrina religiosa, no temor humano da morte, no anseio pela imortalidade e nas experiências mal compreendidas, enquanto que o segundo é inspirado, primeiramente, na tradição biológica e funda-se no prazer positivo que excita na alma o sentimento que chamamos de amor, invertendo assim, a solução teórica do platonismo, afirmando que é preciso encontrar o universal, mas, é preciso investigar também, o particular sensível.

Mesmo assim, o legado e o impacto do platonismo na cultura ocidental teve uma importância capital. Por um lado, foi transmutado e transformado por Plotino (fundador do neoplatonismo que desenvolveu a ideia de uma divindade única, superior e transcendente que governaria o mundo) e, por outro, combinado com a doutrina cristã agostiniana, a principal influência filosófica de Pascal na modernidade.

Plotino viveu numa época em que esses dois paradigmas (platônica e aristotélica), eram dominantes, mas, o debate entre estes, nomeadamente, o estético em especial, ganhou novos contornos em seus tratados estéticos. Ele foi notável, não pela sua obscuridade, mas, pela sua doutrina acerca da beleza inteligível. Diferente do dualismo platônico, imaginava uma natureza animal, diferente da alma e do corpo, a quem pertence a sensação. Ele entendia por sensação, a percepção de coisas externas que produzem ilusões, mas, permitiam com a ajuda da inteligência, o juízo. Sendo assim, as imagens que usava, lembram muito a ‘Caverna de Platão’, mas, diferente deste, seu pensamento foi permeado pela experiência de unidade. Tudo é um; mesmo as imagens refletidas na ‘Caverna’. O que está subjacente a essa ideia é a ideia de ‘Uno’, que é imanente e transcendente.

Para ele, a sensação é contemplação pura, pois, é pelo seu exercício que se contrai, contemplando-se a si mesmo à medida que se contempla a beleza de uma obra. Sendo assim, as belezas exteriores nos encantam pelo fato de serem a manifestação dos tesouros do interior. Por isso, devemos organizá-las de acordo com o mundo inteligível que constitui o caminho de volta para o reino espiritual. Nesse aspecto, a beleza sensível é uma beleza secundária que se deriva da beleza suprassensível do ‘Uno’, logo, a beleza que conhecemos é o reflexo de outra beleza mais perfeita. Então, tudo será mais belo quanto mais participar da beleza suprassensível. Sendo assim, o belo, isto é, a beleza verdadeira apenas existe no intelecto, ou seja, no nosso interior, onde o contemplamos como se fosse o próprio Deus.

Plotino, exaltara em sua obra que o belo situa-se em um lugar secreto, pois, o caminho é mais longo, ou seja, para além da obra, para o inauditável. O belo tem nele, o condão de fazer o homem conectar-se consigo mesmo e fazê-lo (re)lembrar sua origem divina, pois, é o esplendor do verdadeiro, é radiante e torna-se sensível na arte. Paradoxalmente, a beleza sensível, apenas é a força motriz que conduz o homem a contemplar o belo incorpóreo, pois, revela algo que o transcende, ou seja, algo inteligível. Ele expôs suas ideias no Tratado sobre o belo (início das Enéadas), que é, certamente, o escrito mais conhecido e comentado. Nele encontram-se críticas dirigidas às teorias estéticas de Aristóteles e dos aristotélicos que fundam a beleza na simetria e na ordem.

Exerceu forte influência no pensamento estético da Idade Média e no Renascimento, refletindo em toda a concepção artística. Influenciou Agostinho e deu importante contribuição ao neo-platonismo renascentista. Na narrativa autobiográfica de Agostinho observa-se como o neoplatonismo o fascinara. Logo, é verossímil afirmar que, certamente, Plotino também terá influenciado Pascal através do seu mestre, principalmente no que tange a sua visão mística, pois, ele mostrava-se um verdadeiro guia espiritual, indicando o caminho pelo qual se deve ir até chegar ao término desejado.

No caso de Pascal, como se sebe, ele foi o grande místico e apologeta e, através da sua principal obra Pensamentos queria persuadir os incrédulos e indiferentes, sobre a importância de acreditar que, além da(s) beleza(s) contingentes do mundo físico e de tudo que habita nele, existe um ente supremo que transborda e carrega toda beleza e a verdade. Plotino o define como o ‘Uno’, e Pascal como o ‘Deus absconditus’, isso porque ele se encontra distante e escondido dos homens desde os primórdios. Por isso, muitos vivem procurando por ele, na beleza das coisas sensíveis presentes na natureza (uma paisagem, o por do sol, uma obra de arte, um jardim florido), todos refletindo a cópia imperfeita de uma realidade além da nossa visão física, incapaz de contemplar a verdade, o bem e o belo em si.   

Ao longo da sua obra, certamente, Pascal não se preocupara, efetivamente, com uma estética propriamente dita, no entanto, é crível afirmar que, a semelhança de Plotino, ele não valorizava a beleza sensível das coisas, pois, ambos, partem do pressuposto que a verdadeira beleza reside em outra dimensão, ou seja, no transcendente e não no imanente, e que o imanente é apenas a manifestação imperfeita da beleza suprema do transcendente, como já havia afirmado Platão em sua teoria das ideias ou das formas.

Desta forma, é inegável que existe um nexo, ainda que tênue que os une, pois, é possível enxergar a influência da visão platônica nos dois pensadores. Plotino por ter transformado o platonismo, certamente, foi o mais influenciado, pois, Pascal só chega a Platão indiretamente através de Agostinho. No entanto, em ambos, a valorização do transcendente e, nesse caso específico, o da verdadeira beleza além da mera aparência, configura-se como um nexo onde é possível identificar nos dois, semelhanças que os torna herdeiros de uma mesma tradição no qual muitos pensadores forjaram suas identidades filosóficas.  

Atualmente, com a supervalorização dos corpos e da beleza física, ou seja, do predomínio ditatorial da beleza, em certos casos, é um indicador da decadência da humanidade. A ‘cultura da beleza’ tornou-se a expressão incontestável da super exposição dos corpos contrariando, o “Cogito, ergo sum”, ou seja, o “Penso, logo existo” (cartesiano) que ganhou um novo significado “Posto, logo existo”, pois, no mundo virtual das mídias sociais, a beleza passou a ser editada e reeditada com filtros dando a todos a possibilidade de se apresentarem de forma a agradar aos outros. Chegamos ao ponto em que a beleza espelhada nas mídias sociais, não existir na realidade.

Nesse sentido, o predomínio e o cultivo exacerbado da falsa beleza externa coloca um problema de fundo cultural, político civilizatório, educativo e de doação de sentido. Precisamos olhar mais para as civilizações orientais, onde existe uma cultura que valoriza cada vez mais a interioridade, a verdade, a espiritualidade, o ser [...], pois, nós, no ocidente, caminhamos para o desconhecido. Ou seja, para uma cultura trivial que hipervaloriza a exterioridade em detrimento da interioridade, cuja pretensão falaciosa da aparência e do físico perfeito ser revelador do belo em si, apresentado em belas imagens nas mídias sociais.

Dante disso, precisamos nos tornar o que nós somos, conhecer a nós mesmos, através do exercício da transpessoalidade, ou seja, trabalhar nosso sentimento de beleza e verdade interior, redescobrir o que nos habita no mais profundo sentido da palavra: ‘torna-te quem tu és’ nietzschiano ou “conhece-te a ti mesmo” socrático. Isso será possível através do autoconhecimento que implica, exatamente, a dimensão espiritual do ser humano cuja finalidade é afastar o homem de uma ‘secular ignorância’ a começar pela ‘ignorância de si mesmo’ que é o princípio da sabedoria, como apontava sabiamente Sócrates. 

*Doutor em Ciência da Religião pela

 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – Brasil. 

Niterói, aos 08/03/2021

ARTIGO ORIGINALMENTE PUBLICADO NO "MINDEL INSITE" CABO VERDE  

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

TERCEIRO DISCURSO SOBRE A CONDIÇÃO DOS GRANDES

 


Terceiro Discurso**

Quero vos fazer conhecer, senhor, vossa verdadeira condição; pois esta é a coisa do mundo que as pessoas de vossa sorte mais ignoram. Que é, em vossa opinião, ser um grande senhor?[1] É ser senhor de vários objetos da concupiscência dos homens, e assim poder satisfazer às necessidades e aos desejos de vários. São essas necessidades e esses desejos que os atraem para perto de vós e que fazem com que eles se submetam a vós: sem isso eles nem sequer vos olhariam; mas eles esperam, por esses serviços e essas deferências que vos rendem, obter de vós qualquer parte desses bens que desejam e os quais vêem que dispondes.

Deus é rodeado por pessoas cheias de caridade, que lhe demandam os bens da caridade que estão em seu poder: assim, ele é propriamente o rei da caridade.

Vós sois do mesmo modo rodeado por um pequeno número de pessoas, sobre as quais reinais de vossa maneira. 

Essas pessoas são cheias de concupiscência. Elas vos solicitam os bens da concupiscência; é a concupiscência que as liga a vós. Sois, portanto, propriamente um rei da concupiscência. 

Vosso reino é pouco extenso; mas nisso sois igual aos maiores reis da terra: eles são, como vós, reis da concupiscência. É a concupiscência que faz a força deles, isto é, a possessão das coisas que a cupidez dos homens deseja. 

Mas, conhecendo vossa condição natural, usai dos meios que ela vos dá, e não pretendei reinar por outra via que por aquela que vos faz um rei. Absolutamente não é vossa força e vosso poder natural que a vós sujeita todas essas pessoas. Portanto, não pretendei, absolutamente, dominá-las pela força, nem as tratar com dureza. Contentai seus justos desejos; satisfazei suas necessidades; tenhai prazer em ser beneficente; adiantai-vos a eles tanto quanto podeis, e agireis como verdadeiro rei da concupiscência. 

O que vos digo não vai muito longe; e se permanecerdes aí, não deixareis de vos perder; mas, pelo menos, vós vos perdereis como honnête homme. Há pessoas que se danam tão tolamente, pela avareza, pela brutalidade, pelos excessos, pela violência, pelos desatinos, pelas blasfêmias! O meio que vos abro é sem dúvida mais honesto; mas em verdade existe sempre uma grande loucura com que se danar; e é por causa disso que não é preciso permanecer aí. É preciso desprezar a concupiscência e seu reino, e aspirar a esse reino de caridade onde todos os sujeitos somente respiram a caridade e somente desejam os bens da caridade. Outros que eu vos dirão o caminho desse reino: basta-me vos ter desviado dessas vias brutais em que vejo que várias pessoas de vossa condição se deixam levar por não conhecer bem o estado verdadeiro dessa condição.



[1] Seigneur: titulação de nobreza, própria do antigo regime. Quem é seigneur, é também maître, mas este último não necessariamente possui um título nobiliário.

Nota:

**No Terceiro Discurso, o mais importante e o mais decisivo dos três, a esfera da política fica inteiramente absorvida pelo reino da concupiscência, enquanto, num mundo perfeito, para o Reino da caridade. nenhum vínculo relaciona a Política com a Religião. Por mais que o regente desse mundo inferior cumpra os seus deveres, obedecendo aos critérios de justiça e necessidade, de bem feitoria e progresso, nada mais alcançará senão uma certa dignidade exterior, uma formalidade, talvez um prestígio merecido... [...] (RUAS, 2003, p. 174). Desta forma, Pascal "admoesta o dignitário a não se deixar levar pela licenciosidade e pelas oportunidades que tem de satisfazer a a todas as suas inclinações por causa de sua posição e de seus bens, esquecendo que sua grandeza deve estar a serviço dos outros e não a serviço de seus próprios caprichos e desregramentos, levando ao desprezo e ao abandono daqueles que lhe são submissos" (SILVA, 2012, p. 125).

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Referencias 

SILVA, Antônio G. da. Pascal: Cientista e Filósofo Místico. – São Paulo: Lafonte, 2012. 151p. (Coleção pensamentos & vida; v, 9).
RUAS, Henrique Barrilardo. Comentários aos três discursos. In. PASCAL, Blaise. do espírito geométrico e da arte de persuadir. Seleção, tradução e notas de H.B.R. Portugal: Editora Elementos Sudoeste, 2003.

terça-feira, 10 de novembro de 2020

Oração para pedir a Deus o bom uso das doenças - Blaise Pascal

  
                                                     Blaise Pascal (1623 - 1662)


Trad. Andrei Venturini Martins 

[I] (362a) – Senhor, cujo espírito é tão bom e tão doce em todas as coisas, e que sois tão misericordioso, que não somente as prosperidades, mas mesmo as desgraças que acontecem com vossos eleitos, são os efeitos de vossa misericórdia, concedei-me a graça de não agir como pagão no estado onde vossa justiça me submeteu: que como um verdadeiro Cristão eu vos reconheça como meu pai e meu Deus, em qualquer estado que me encontre, já que a mudança da minha condição não causa a vossa, porque vós sois sempre o mesmo, embora eu esteja sujeito à mudança, e vós não sois menos Deus quando afligis e punis do que quando consolais e usais de indulgência. 

[II] (362ab) – Me destes a santidade para vos servir, e dela fiz uso totalmente profano. Enviai-me agora a doença para me corrigir: não permitais que eu use dela para vos irritar com minha impaciência. Eu usei mal da minha saúde, e por isto me tendes punido justamente. Não tolereis que eu use mal de vossa punição. E, já que a corrupção da minha natureza é tal que me torna vossos favores perniciosos, concedei, ó meu Deus, que vossa graça toda poderosa torne vossos castigos salutares. Se eu tive o coração pleno de afeição ao mundo enquanto ele teve algum vigor, aniquilai este vigor para minha salvação, e tornai-me incapaz de desfrutar do mundo, seja por fraqueza do corpo, seja por zelo da caridade, para somente desfrutar de vós. 

[III] (362b-363a) – Ó Deus, diante de quem eu devo prestar uma conta exata de todas as minhas ações ao fim de minha vida e ao fim do mundo! Ó Deus, que não deixais subsistir o mundo e todas as coisas do mundo, senão para exercitar vossos eleitos ou para punir os pecadores! Ó Deus, que deixais os pecadores endurecidos no uso prazeroso e criminoso do mundo! Ó Deus, que fazeis morrer nosso corpo e, na hora da morte, desligais nossa alma de tudo aquilo que ela amava no mundo! Ó Deus, que me arrancais neste momento de minha vida de todas as coisas às quais me liguei e onde coloquei meu coração! Ó Deus, que deveis consumar no último dia o céu e a terra, e todas as criaturas que eles contêm, para mostrar a todos os homens que nada subsiste senão vós, e que assim nada é digno de amor senão vós, já que nada é durável senão vós! Ó Deus, que deveis destruir todos estes ídolos vãos e todos estes funestos objetos de nossas paixões! Eu vos louvo, meu Deus, e vos bendirei todos os dias de minha vida, porque vos agradou antecipar aquele dia espantoso em meu favor, destruindo todas as coisas a meu respeito, na fraqueza em que me sujeitastes. Vos louvo, meu Deus, e vos bendirei todos os dias da minha vida, porque foi de vosso agrado sujeitar-me à incapacidade de desfrutar das doçuras da saúde e dos prazeres do mundo, e porque aniquilastes, de alguma forma para meu proveito, os ídolos enganosos, estes que aniquilareis efetivamente para a confusão dos maus no dia de vossa cólera. Concedei Senhor, que eu julgue a mim mesmo depois desta destruição que promoveste a meu respeito, a fim de que não me julgueis vós mesmo depois da total destruição que fareis da minha vida e do mundo. Porque, Senhor, dado que no instante de minha morte me encontrarei separado do mundo, desnudado de todas as coisas, somente em vossa presença, para responder à vossa justiça por todos os movimentos do meu coração, concedei que eu me considere nesta doença como em uma espécie de morte, separado do mundo, desnudado de todos os objetos de meus apegos, somente em vossa presença, para implorar de vossa misericórdia a conversão de meu coração; e que assim eu tenha um consolo extremo disto que vós me enviais agora, uma espécie de morte para exercer vossa misericórdia, antes que vós me envieis efetivamente a morte para exercer vosso julgamento. Concedei, portanto, ó meu Deus, que do mesmo modo que antecipastes minha morte, que eu antecipe o rigor de vossa sentença, e examine a mim mesmo antes de vosso julgamento, para encontrar misericórdia em vossa presença. 

[IV] (363ab) – Concedei, ó meu Deus, que eu adore em silêncio a ordem de vossa providência adorável sobre a conduta da minha vida; que vosso flagelo me console e, tendo vivido no amargor de meus pecados durante a paz, que eu saboreie as doçuras celestes de vossa graça durante os males salutares com que vós me afligis. Porém eu reconheço, meu Deus, que meu coração está tão endurecido e cheio de ideias, de preocupações, de inquietudes e de apegos do mundo, que a doença não mais que a saúde, nem os discursos, nem os livros, nem vossas Escrituras sagradas, nem vosso Evangelho, nem vossos mistérios mais santos, nem as esmolas, nem os jejuns, nem as mortificações, nem os milagres, nem o uso dos Sacramentos, nem o sacrifício de vosso Corpo, nem todos meus esforços, nem aqueles de todo o mundo conjuntamente, não podem fazer absolutamente nada para começar minha conversão, se vós não acompanhais todas estas coisas de uma assistência totalmente extraordinária de vossa graça. É por este motivo, meu Deus, que eu me dirijo a vós, Deus todo poderoso, para vos pedir um dom que todas as criaturas conjuntamente não podem me conceder. Eu não teria a ousadia de vos dirigir meus gritos, se qualquer outro pudesse atendê-los. Porém, meu Deus, como a conversão do meu coração, a qual vos peço, é uma obra que ultrapassa todos os esforços da natureza, não posso me dirigir senão ao autor e mestre todo poderoso da natureza e do meu coração. A quem gritarei, Senhor, a quem recorrerei, se não for a vós? Tudo aquilo que não é Deus não pode preencher minha expectativa. É o próprio Deus que eu peço e procuro, e é a vós somente, meu Deus, para quem me dirijo para vos obter. Abri meu coração, Senhor, entrai neste lugar rebelde que os vícios ocuparam. Eles o mantêm submisso; entrai nele como em uma casa forte; porém, amarrai, inicialmente, o forte e potente inimigo que a domina e tomai em seguida os tesouros que nela estão. Senhor, tomai minhas afeições que o mundo tinha roubado; roubai vós mesmo este tesouro, ou melhor, retomai-o, já que é a vós que ele pertence, como um tributo que eu vos devo, já que vossa imagem está impressa no tesouro. Vós nele tínheis a sua imagem modelada, Senhor, no momento de meu batismo que é meu segundo nascimento, mas ela está totalmente apagada. A ideia do mundo está tão gravada neste tesouro que a vossa não é mais cognoscível. Só vós pudestes criar minha alma: só vós podeis criá-la de novo. Só vós pudestes modelar vossa imagem nela: só vós podeis modelá-la de novo e nela reimprimir vosso retrato apagado, isto é, Jesus Cristo meu Salvador, que é vossa imagem e o carácter de vossa substância. 

[V] (363b) – Ó meu Deus, um coração é feliz quando pode amar um objeto tão encantador que não o desonre de modo algum e cujo apego lhe seja tão salutar! Sinto que eu não posso amar o mundo sem vos desagradar, sem me prejudicar e sem me desonrar e, entretanto, o mundo é objeto de minhas delícias. Ó meu Deus, uma alma é feliz quando vós sois as delícias, já que ela pode abandonar-se para vos amar, não somente sem escrúpulo, mas ainda com mérito! A felicidade da alma é firme e durável, já que sua espera não será frustrada de modo algum, porque vós não sereis destruído jamais, e nem a vida, nem a morte, jamais separarão a felicidade do objeto de suas delícias; ao mesmo tempo, [vós sois aquele] que arrastará os maus com seus ídolos dentro de uma ruína comum, unirá os justos convosco em uma glória comum; e do mesmo modo que uns perecerão com os objetos perecíveis aos quais estão apegados, outros subsistirão eternamente no objeto eterno e subsistente por si mesmo ao qual estão estreitamente unidos. Oh! Que felicidade estão aqueles que com uma liberdade total e uma inclinação invencível de sua vontade amam perfeitamente e livremente aquele que eles são obrigados a amar necessariamente! 

[VI] (363b) – Completai, ó meu Deus, os bons movimentos que vós me dais. Sede o fim deles como sois o princípio. Coroai vossos próprios dons, porque eu reconheço que estes são vossos dons. Sim, meu Deus, e bem longe de pretender que minhas preces tenham mérito que vos obrigue a concedê-las necessariamente, reconheço humildemente que, eu, tendo voltado às criaturas meu coração, que vós não tínheis moldado senão para vós, e não para o mundo, nem para mim mesmo, não posso esperar nenhuma graça senão de vossa misericórdia, já que não tenho nada em mim que possa obrigá-lo a isto [a concedê-la], e todos os movimentos naturais do meu coração, encaminhando-se em direção às criaturas ou a mim mesmo, só podem vos irritar. Portanto, vos agradeço, meu Deus, pelos bons movimentos que me dais, e mesmo por este que me dais, de poder agradecê-Lo. 

[VII] (363b-363a) – Tocai meu coração para o arrependimento de minhas faltas, já que, sem esta dor interior, os males exteriores, pelos quais tocais meu corpo, serão uma nova ocasião de pecado. Concedei-me conhecer bem que os males do corpo não são outra coisa senão a punição e a figura conjunta de todos os males da alma. Porém Senhor, concedei também que eles [os males do corpo] sejam o remédio da alma, me fazendo considerar, nas dores que sinto, aquela que não sentia em minha alma, embora toda doente e coberta de úlceras, já que, Senhor, a maior das doenças da alma é a insensibilidade e aquela extrema fraqueza que havia retirado dela [da alma] todo sentimento de suas próprias misérias. Fazei-me senti-las [as misérias] vivamente, e que a vida que me resta seja uma penitência contínua para lavar as ofensas que cometi. 

[VIII] (364a) – Senhor, embora minha vida passada tenha sido isenta de grandes crimes, de cujas ocasiões vós me distanciastes, ela foi para vós, entretanto, muito odiosa pela negligência contínua, pelo mal uso de vossos mais augustos sacramentos, pelo desprezo de vossas palavras e de vossas inspirações, pela ociosidade e a inutilidade total de minhas ações e de meus pensamentos, pela perda de todo tempo que vós não me tínheis dado senão para vos adorar, para procurar em todas as minhas ocupações os meios de vos agradar, e para fazer penitência pelas faltas que se cometem todos os dias, e que são ordinárias mesmo para os mais justos, de maneira que a vida deva ser uma penitência contínua sem a qual estamos em perigo de decair de sua justiça. Desta maneira, meu Deus, sempre fui contrário a vós. 

[IX] (364a) – Sim, Senhor, até aqui sempre fui surdo às vossas inspirações: desprezei vossos oráculos, julguei de forma contrária àquela com a qual vós julgais, eu contradisse as santas máximas as quais vós trouxestes ao mundo desde o seio de vosso Pai eterno, e segundo as quais julgareis o mundo. Dissestes: “Bem-aventurados são aqueles que choram, e desgraçados aqueles que são consolados”. E eu disse: “Desgraçados aqueles que gemem, e felizes aqueles que são consolados”. Eu disse: “Felizes aqueles que gozam de uma vantajosa fortuna, de uma reputação gloriosa e de uma saúde robusta”. E por que os reputei felizes, senão porque todas estas vantagens lhes forneciam uma facilidade muito ampla de desfrutar das criaturas, isto é, de vos ofender? Sim, Senhor, confesso que estimei a saúde um bem, não porque ela é um meio fácil de servir-vos com utilidade e para consumar mais cuidados e vigílias a vosso serviço, nem para a assistência do próximo, mas porque, a favor dela [saúde] eu podia abandonar-me com menos comedimento na abundância das delícias da vida e melhor desfrutar dos seus funestos prazeres. Concedei-me a graça, Senhor, de reformar minha razão corrompida e de conformar meus sentimentos aos vossos. Que eu me estime feliz na aflição e que, na impotência de agir exteriormente, purifiqueis de tal forma meus sentimentos que eles não repugnem mais aos vossos, e que assim vos encontre dentro de mim, já que não posso procurar-vos fora por causa de minha fraqueza. Porém, Senhor, vosso Reinado está em vossos fiéis, e o encontrarei dentro de mim, se nele eu encontro vosso Espírito e vossos sentimentos. 

[X] (364ab) – Porém, Senhor, que farei para vos agradecer por difundir vosso Espírito sobre esta miserável terra? Tudo aquilo que sou vos é odioso e não encontro nada em mim que vos possa agradar. Eu não vejo nada em mim [que vos possa agradar], Senhor, só minhas dores que têm alguma semelhança com as vossas. Portanto, considerai os males que sofro e aqueles que me ameaçam. Vede com um olho de misericórdia os flagelos que vossa mão me tem feito, ó meu Salvador, que amastes vossos sofrimentos até a morte! Ó Deus, que não vos fizestes homem senão para sofrer mais que qualquer homem para salvação dos homens! Ó Deus, que não vos encarnastes depois do pecado dos homens e que não tomastes um corpo senão para sofrer nele todos os males que nossos pecados mereceram! Ó Deus, que amais tanto os corpos que sofrem, que escolhestes para vós o corpo mais devastado de sofrimento que jamais tinha estado no mundo! Tende [como] agradável meu corpo, não por ele mesmo, nem por tudo aquilo que ele contém, pois tudo nele é digno de vossa cólera, mas pelos males que ele suporta, que só podem ser dignos de vosso amor. Amai meus sofrimentos, Senhor, e que meus males vos convidem a me visitar. Porém, para concluir a preparação de vossa morada, concedei, ó meu Salvador, que se meu corpo tem isto [os sofrimentos] em comum com o vosso, que ele sofra por minhas ofensas, e que se minha alma tenha também isto em comum com a vossa, que ela esteja na tristeza pelas mesmas ofensas; e que assim eu sofra convosco, e como vós, no meu corpo e na minha alma, pelos pecados que cometi. 

[XI] (364b) – Senhor, concedei-me a graça de acrescentar vossas consolações aos meus sofrimentos, a fim de que eu sofra como Cristão. Não peço para ser isento das dores, pois esta é a recompensa dos santos: mas peço para não ser abandonado às dores da natureza sem as consolações do vosso Espírito, pois esta é a maldição dos Judeus e dos Pagãos. Não peço para ter uma consolação plena sem nenhum sofrimento, pois esta é a vida na glória. Não peço também para estar na plenitude dos males, sem consolação, pois este é um estado do Judaísmo. Mas peço, Senhor, de sentir conjuntamente as dores da natureza por meus pecados e as consolações de vosso Espírito por vossa graça, pois este é o verdadeiro estado do Cristianismo. Que eu não sinta as dores sem consolação, mas que sinta dores e consolo ao mesmo tempo, para chegar, enfim, a não sentir mais senão vosso consolo sem nenhuma dor. Porém, Senhor, tendes deixado esmorecer o mundo nos sofrimentos naturais sem consolação antes da vinda do vosso Filho único; agora vós consolais e aliviais os sofrimentos de vossos fiéis pela graça de vosso Filho único; e [enfim] preencheis com uma beatitude totalmente pura vossos santos na glória de vosso Filho único. Estes são os admiráveis degraus pelos quais conduzis vossas obras. Me tirastes do primeiro: concedei-me passar pelo segundo, para chegar ao terceiro. Senhor, é a graça que vos peço. 

[XII] (364b-365a) – Não permitais que eu esteja em tal distanciamento de vós, que possa considerar vossa alma triste até a morte e vosso corpo abatido pela morte por meus próprios pecados, sem me alegrar de sofrer tanto no meu corpo quanto na minha alma. Pois, que há de mais vergonhoso e, entretanto, de mais comum nos Cristãos e em mim mesmo que, enquanto vós suais sangue para a expiação de nossas ofensas, vivemos nas delícias [?]; e que Cristãos fazem voto de estar convosco, senão aqueles que pelo batismo renunciaram o mundo para vos servir, senão aqueles que juraram solenemente, à frente da Igreja, de viver e de morrer convosco, senão aqueles que fazem voto de acreditar que o mundo vos perseguiu e crucificou, senão aqueles que acreditam que vós vos expusestes à cólera de Deus e à crueldade dos homens para remi-los de seus crimes [?] – só estes, digo, que creem em todas estas verdades, que consideram Vosso corpo como a hóstia que se entregou para salvação deles, que consideram os prazeres e os pecados do mundo como o único motivo dos Vossos sofrimentos, e o mundo mesmo como Vosso carrasco, procuram, para lisonjear seu corpo, estes mesmos prazeres, em meio a este mesmo mundo –; e como estes, que não poderiam, sem fremir de horror, ver um homem acariciar e querer bem o assassino de seu pai que se entregaria para dar a vida a ele [ao filho], podem viver como eu fiz, com plena alegria, entre o mundo que sei ter sido verdadeiramente o assassino daquele que reconheço por meu Deus e meu Pai, que se entregou para minha própria salvação e que carregou em sua pessoa a pena de minhas iniquidades? É justo, Senhor, que tenhais interrompido uma alegria tão criminosa como aquela na qual eu repousava na sombra da morte. 

[XIII] (365ab) – Portanto, retirai de mim, Senhor, a tristeza, que o amor por mim me poderia dar, dos meus próprios sofrimentos, e pelas coisas do mundo, que não alcançam a medida das inclinações de meu coração e não atentam à vossa glória, porém, colocai em mim uma tristeza conforme à vossa. Que meus sofrimentos sirvam para apaziguar vossa cólera. Concedei nisto uma ocasião para minha salvação e para minha conversão. Que, de hoje em diante, eu não deseje saúde e vida senão a fim de empregá-las e dá-las a vós, convosco e em vós. Não vos peço nem saúde, nem doença, nem vida, nem morte, mas que vós disponhais de minha saúde e de minha doença, de minha vida e de minha morte, para vossa glória, para minha salvação e para a utilidade da Igreja e de vossos santos, dos quais espero por vossa graça fazer parte. Só vós sabeis aquilo que me é conveniente: sóis o soberano mestre, concedei aquilo que quiserdes. Dai-me, retirai-me, mas conformai a minha vontade à vossa; e que, em uma submissão humilde e perfeita, e em uma santa confiança, me disponho a receber as ordens de vossa providência eterna, e que eu adore igualmente tudo aquilo que me vem de vós.

 [XIV] (365b) – Meu Deus, concedei que, em uma uniformidade de espírito sempre igual, eu receba todas as formas de acontecimentos, já que nós não sabemos aquilo que devemos pedir, e que, por este motivo, não posso desejar um [acontecimento] antes do outro sem presunção, e sem me tornar juiz e responsável das consequências que vossa sabedoria quis justamente me esconder. Senhor, sei que eu só sei uma coisa: que é bom vos seguir e que é mal vos ofender. Depois disso, não sei o que é o melhor ou o pior em todas as coisas. Não sei o que me é proveitoso da saúde ou da doença, dos bens ou da pobreza, nem de todas as coisas do mundo. É um discernimento que ultrapassa a força dos homens e dos anjos, e que está escondido nos segredos de vossa providência que adoro e que não quero aprofundar. 

[XV] (365b) – Portanto, concedei Senhor, que tal como eu seja, que me conforme à vossa vontade; e que, estando doente como estou, vos glorifique nos meus sofrimentos. Sem eles não posso chegar à glória; e mesmo vós, meu Salvador, nela [à glória] não tendes querido chegar senão por eles [sofrimentos]. É pelas marcas de vossos sofrimentos que vós fostes reconhecido por vossos discípulos, e é também pelos sofrimentos que vós reconheceis aqueles que são vossos discípulos. Reconhecei-me então como vosso discípulo nos males que eu suporto tanto no meu corpo quanto no meu espírito pelas ofensas que cometi. E, já que nada é agradável a Deus se não lhe for oferecido por vós, uni minha vontade à vossa, e minhas dores àquelas que tendes sofrido. Concedei que as minhas tornem-se as vossas. Uni-me a vós; preenchei-me de vós e do vosso Espírito Santo. Entrai no meu coração e na minha alma para ali sofrer meus sofrimentos e para continuar a suportar em mim aquilo que vos resta sofrer em vossa Paixão, que vós findais em vossos membros até a consumação perfeita do vosso Corpo, a fim de que, estando pleno de vós, que não seja mais eu quem viva e quem sofra, mas que seja vós que vivais e sofrais em mim, ó meu Salvador: e que assim, tendo uma pequena parte dos vossos sofrimentos, vós me preenchais inteiramente da glória que eles vos condescenderam, na qual viveis com o Pai e o Santo Espírito, por todos os séculos dos séculos. Amém!

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MARTINS, Andrei Venturini. Prece para pedir a deus o bom uso das doenças. Revista Último Andar (ISSN 1980-8305), n. 26, 2015.  Clique aqui:

quarta-feira, 12 de agosto de 2020

O ESTOICISMO E O CETICISMO: AS DUAS VIAS FILOSÓFICAS PARA A CONSTRUÇÃO DO PARADOXO ENTRE GRANDEZA E MISÉRIA EM BLAISE PASCAL



Resumo 

Blaise Pascal é o filósofo do paradoxo, pois, para ele, a verdade é a reunião dos contrários. Em sua antropologia, o homem é analisado como um ser paradoxal, ao mesmo tempo grande e pequeno, fraco e forte, grande e mísero. Essas contradições estão presentes em todos os homens, mas, a maior parte dos filósofos ao longo da história do pensamento Ocidental enxergou apenas um dos lados, ou seja, baseou-se numa visão unilateral e limitada do homem. Este artigo tem como objetivo analisar as duas vias filosóficas, pelas quais Pascal constrói o paradoxo entre grandeza e miséria, como aspecto fundamental para o estudo e compreensão do homem. Para isso, ele se apoia especialmente em dois filósofos, Epiteto e Montaigne, mostrando que, a ‘verdade’ de cada corrente filosófica opera como desqualificadora da ‘verdade’ da outra. Mas, para Pascal a verdadeira compreensão do homem, está na reunião dessas duas dimensões contraditórias, ou seja, paradoxais. 

Palavras-chave: ser paradoxal; estoicismo e ceticismo; grandeza e miséria; paradoxo, compreensão do homem.

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